talvez um monólogo com deus [1/4]

Data 14/11/2010 23:36:01 | Tópico: Textos


1.
fazia frio dentro de mim. foi a primeira vez que senti esse frio. no entanto o corpo. não reclamava agasalho – mas bem lá dentro. bem lá para o fundo. sentia tudo a gelar – estava sozinho. como sempre tinha as mãos metidas nuns bolsos fundos e sem fundo. tentava encontrar um pouco de mim. algo que ainda estivesse quente – sempre procurei o que não existe. pelo menos em mim – já nos outros. vejo sempre bandos de pássaros a voar rumo às temperaturas do sul – nem sei o nome desses pássaros. são bandos de pássaros. voam com asas carregadas de coisas da vida. pedaços do tempo – lugares de quem vive com horizontes certos – já não tenho o tempo numerado. perdi-me dentro do corpo – já não há movimento de rotação. a noite nunca clareia. e a cada hora. uma visão do sol pintada na esperança morta pelo instantâneo do mesmo escuro – procuro-me. levo a ponta dos dedos até aos mais recônditos espaços da minha carne. perfurada pela escara de viver sempre na mesma posição – com voracidade. mexo as mãos. é assim que sinto que estou vivo – entrelaço-as. deixo os dedos compreender que é na procura que acabo por aprender a sobreviver – faço dor. cerro os dentes. os olhos esburacam-se e a pele enrodilha-se na gritaria que me sobressalta sempre que tento pensar – caio no fundo de mim. queria tanto um calor. queria tanto um pouco de aconchego. no fundo. bem lá no fundo. existe sempre uma réstia de esperança. e eu queria tanto encontrar um braseiro que me atenuasse este frio estranho – às vezes. quando tento encontrar-me. acredito que talvez este seja o frio de fantasmas a vaguear dentro de mim. talvez procurem algo que sei que não tenho. nunca tive nada – estes desejos. com o tempo morrem. morrem como todas as primaveras que inventei – mas o tempo passa. e estas primaveras que faziam flores. não mais voltarão a ter inverno. mesmo que com menos sol – olhei para a distância que havia entre os meus olhos e a vontade de ter outro futuro. percebi que nunca iria encontrar nada em definitivo. o meu destino será sempre uma disputa de tudo que cresce num pedaço de mim vagabundo – este frio nasce cada vez mais frio. alimenta-se desta minha vontade de querer mais. na vontade louca de transformar tudo. em cumes –




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