DOS COMENTÁRIOS NOS SITES OU É DANDO QUE SE RECEBE

Data 19/12/2010 20:32:13 | Tópico: Crónicas

Confesso, é a minha preguiça o principal motivo que me leva ainda a escrever em sites literários. Não fosse ela, exceto a obrigação profissional, que às vezes obriga-me a escrever o que não gosto, eu jamais meteria uma só linha nesses espaços eletrônicos.
Antes do computador, era o papel. Papel aceitava -e ainda continua - aceitando tudo. Computador também. Pobre escrita, impiedosamente assassinada nesses sites. Não é só no Brasil, não é só em Portugal, não é só no raio-o-parta. Há que se respeitar o direito de todos. E eu respeito muito os que não têm medo do ridículo e publicam seus textos e poemas pressupondo que atingiram à perfeição de um Drummond, de um Bandeira, de um O'Neil, de uma Sophia Breyner e de outros tantos notáveis. E o pior: são alimentados por comentários insossos que não dizem absolutamente nada, terminados quase sempre com beijinhos.
Existe um site no Brasil, chamado Garganta da Serpente, onde colaboro vez em quando, que adota uma política que acho a mais correta. O autor envia seus textos via e-mail. A publicação nunca é imediata, Às vezes leva até alguns meses. Os textos, num limite de dez para cada autor, quando publicado, não recebe comentários abertos. Se algum leitor se interessar, entra em contato com a administração e esta com o autor. Caso o autor se interesse, autoriza à administração a fornecer seu endereço eletrônico ao leitor. Pronto. Se vai acabar em beijinhos ou não, a coisa não fica pública.
Estou dizendo isso porque penso que um site que se propõe a fazer e divulgar trabalhos literários não é um lugar obrigatoriamente de relacionamentos pessoais.Não que isso não possa vir a acontecer. Mas acho que ao comentar um texto deve-se comentar o texto, não o autor, que é o que menos interessa: "O autor não vale a sua obra", falou certa vez o contista brasileiro Dalton Trevisan. Explico: Ezra Pound, grande poeta, assim como o romancista Knut Hansun, era simpatizante do nazismo. Mas sua obra foi impecável. Se não compactuo com a ideologia política do escritor, isso não quer dizer que devo jogar sua obra no lixo. Pura ignorância. Borges tinha lá seus repentes fascistas. Mas foi um gênio.
Aqui neste Luso já recebi várias mensagens particulares pedindo-me comentários. Isso é grotesco. É tão humilhante quanto pedir uma esmola. Recebi da administradora de um site do qual fui expulso uma mensagem dizendo que não me comentava porque eu não a comentava. Que coisa terrível, meu Deus!
Não sei até que ponto os comentários feitos nos sites são, de fato, sinceros. Aqui no Luso, por exemplo, onde escrevo com mais frequência, sei que vigora a lei do é-dando-que-se-recebe. Tem gente que comenta até bula de remédio, esperando ser comentada na volta. Que pobreza!
Há comentários onde o nível desce abaixo do chão. Um sujeito daqui perguntou a uma autora se ela não queria ser sua amante. Pasmem!, foi verdade. Isto só pode ter partido de um doente mental. Onde está a literatura nisso? Cadê a seriedade? Outros comentários são respondidos com poemas, muitas vezes piores do que o que foi comentado.
Que me tomem por antipático ou arrogante. Que me dêem o desprezo, pouco estou me lixando.Mas prefiro pecar por ato do que por omissão. Isto ainda sem falar naqueles que vivem sempre enviando cartas abertas de despedida, mas retornam sempre no dia seguinte, atendendo a insistentes apelos de "não vá, você vai fazer falta." Quanta hipocrisia!
Gosto sempre de repetir uma coisa - estou na idade de repetir: quantidade não quer dizer qualidade. Cachaça Oncinha vende mais do que champanhe francês. E cachaça Oncinha eu já tomei. E é intragável. Queria que os comentários fossem feitos com mais critério. Mas sei que aqui isso é pedir muito.
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júlio



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