Multiculturalidade

Data 14/05/2011 22:11:19 | Tópico: Crónicas

Gosto de lojas de bairro. Estreitam-se laços de amizade muito grandes. Tão pouco importa o facto de os proprietários da loja, em causa, serem um casal de chineses que por cá se estabeleceu há 7 anos. A empatia gerada entre eles e a minha família é recíproca e consideramo-nos, quase como da família. O “Xia” e a “Xiau Mei” têm três filhos lindos e orgulhosamente Setubalenses, que eu quase vi nascer e tenho vindo a acompanhar o seu crescimento e educação. A menina mais velha, a Susana, frequenta o colégio St. Peters School e ao sábado aulas de chinês, em Lisboa, para aprender a escrever a língua de origem dos seus pais.
Para nós ter os filhos a estudar num colégio privado pode, hoje em dia, não ser a melhor opção, mas a verdade é que o fazem por estarem convictos de que estão a proporcionar aos filhos a melhor educação. A Inês, a do meio, está na China na casa dos avós paternos e o Gonçalo, o mais novo, é perito em quebrar toda a loiça e quinquilharia que se encontre ao alcance das suas hábeis mãozinhas. Já agora, a Inês vem para Portugal este verão, juntamente com os seus avós e aí a família fica completa.
Tudo isto foi, apenas, uma mera introdução para vos contar a minha aventura de hoje. É importante salientar que estas coisas caricatas acontecem comigo, com alguma regularidade, talvez porque eu ande sempre com a cabeça na lua.
Neste momento, já alguns de vós me censuraram por comprar produtos chineses, mas eu entro onde chega a minha bolsa e este casal chinês tem duas lojas diferenciadas, a loja tradicionalmente chinesa, onde se pode encontrar de tudo e uma outra que é simplesmente glamourosa, com roupa, calçado e acessórios fantásticos, a um preço muito razoável.
Pois foi na loja de quinquilharia que entrei para comprar um balde e uma esfregona para a minha filha e também por lá me encantei com uma blusinha fresquinha e muito vaporosa. Peguei no balde e no cabo da esfregona com uma das mãos e com a outra agarrei no saco da blusa e lá fui eu, radiante, na direcção do meu carro.
Sentei-me ao volante e, como é hábito, liguei o rádio e arranquei para o supermercado, já que ao sábado não me livro da saga das compras. Nisto, começo a ouvir uma música irritante e repetitiva, que para o comum dos mortais seria automaticamente interpretada como a música de um telemóvel, mas para mim, que havia ligado o rádio do carro, era apenas uma música estranha para passar na RFM, parecia que tinha o disco riscado. Eis que eu começo a tentar sintonizar outros postos de tão enervada que estava com a música em questão, até que se fez luz na minha cabeça e lá me apercebi que devia ser um telemóvel a tocar.
Desengane-se quem pense que, por instantes, posso ter achado que era o meu, a música não era igual e eu deixei o meu no trabalho este fim de semana. Confesso que não sou dependente do telemóvel. Quando cheguei ao supermercado, parei o carro e fui ao saco ver o que lá estava dentro e aí concluí que o saco não era o meu, lá dentro um boné, umas chaves e o famoso objecto, autor de toda aquela confusão, tocava insistentemente.
Pensam que o atendi? Nem pensar, já que estava à porta do supermercado entrei e fiz as minhas compras e só depois voltei à loja dos meus amigos chineses. Quando lá cheguei, a minha amiga Rosanna, Brasileira de berço, e empregada do simpático casal ,estava cá fora, na rua à minha espera, com outro telemóvel na mão, de onde mandava os toques para aquele de que eu era fiel portadora.
- Fernanda! O Xia precisa muito das chaves que estão dentro do saco. Ele vai abrir uma nova loja, em Palmela, e iam agora mesmo limpar o espaço. Creio que ele foi à sua casa, ainda deve lá estar. Eu respondi que só me demorei cerca de 20 minutos, passo a publicidade, o Mini Preço é ali pertinho e eu não fiquei à conversa de circunstância com ninguém.
Desculpas pedidas e sacos trocados, dirigi-me a casa e já nem sinal do Xia, que, por sua vez, já se tinha vindo embora.
Entrei em casa com os sacos das compras e a minha filha Sara, que gosta de dormir até tarde, aos fins de semana, estava um pouco confusa:
- Oh mãe, mas o que é que se passa? Acordei sobressaltada com o insistente toque da campainha e quando levantei a persiana para ir ver quem tocava ao nosso portão, deparei-me com uma carrinha cheia de chineses a olhar cá para cima e não ganhei para o susto. Só me acalmei quando vi o Xia, cá fora. Por Deus! Por Momentos, pensei que era a Máfia chinesa.
- Pois filha, deixa lá, vai mas é dormir!
- Mãe, carregaste-me o telemóvel?
- Não filha, achas que tive cabeça para isso?




Maria Fernanda Reis Esteves
51 anos
natural: Setúbal



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