Meras reflexões

Data 23/07/2011 19:01:32 | Tópico: Prosas Poéticas

Esta capacidade de amar um corpo, uma alma no ocaso da vida, intriga-me

Esta candura que me percorre o corpo, em flashes de faíscas que queimam o meu peito escancarado, agita-me

Esta ansiedade miudinha que penetra o diafragma, obrigando-o a inspirar e expirar constantemente em respirações profundas, sussurros de ar em densos suspiros, protege-me

Estas ausências da mente procurando a perfeição de dois corpos unos no tempo e no espaço interior e exterior, numa vivência compartilhada à luz duma realidade una e luminosa, atrai-me.

Esta sensação de plenitude de SER, que me acompanha no quotidiano diário, fortalece-me

Este sorriso que me sai livre e aberto, sempre que penso em ti, este estado de embevecimento que me acomete na vida desperdiçada, leva-me a reflectir, neste sentir único e imutável que permanece na poeira cósmica em forma de nebulosas multicolores.

A vida é uma tela vazia que se auto pinta aos nossos olhos, com as cores que sonhamos, as cores que idealizamos, em laivos de tempestades furiosas, em traços sombrios que ofusca a luz…

Há sempre um traço que se pincela, há sempre um espaço em branco que abarca mais uma cor, mais um sabor, mais um aroma, inundando o ar com o cheiro da aventura desconhecida no amanha incógnito.

Há noite e dia nos pincéis esguios, delineando paisagens das cores do arco íris embelezando o escuro da noite, como há sombras que escurecem os mil tons que nos dão a cor

É nesta ambiguidade, nesta ambivalência que vive em constante descoberta o nosso ser e os dois lados permanecem íntegros e possíveis.

Somos peças de um qualquer jogo de xadrez, sem vencedores nem vencidos, jogamos ininterruptamente, falsificando a matéria genuína, primórdios do SER.

Há no meu olhar uma tela pintada de ti, que me hipnotiza quando tento pintar traços de mim.
Há em cada traço que delineio, aromas que me entram pelas mãos em cascatas silenciosas, obrigando-me a traços que falam de ti.

É neste delinear constante que decorre os meus dias, soalheiros à longínqua morte que quero para mim. Ela será a meta do meu SER, mas quero-a distraída com outros sons que não são os meus.

Quero ainda respirar todos os aromas, todas as cores, todos os sabores que me possam falar de ti, desnuda de mim.

É neste silêncio, neta reflexão que descubro sempre um pouco mais e sei que todos os caminhos que me faltam percorrer, todos eles me levarão a ti, ao fundo de mim.

Sabes?

Sei que não se deve desafiar o destino, porque ele contem traços que não se pode apagar, mesmo que queiramos redesenhá-los a nosso belo prazer, há sempre um ponto no tempo, seja qual for o local onde nos encontramos, que esses traços voltam a ser recolocados na tela onde se pinta a nossa caminhada até ao fim, para lá do cosmos.

Por isso, não vale a pena alterar a tela, porque é nessa tela com pedacinhos em branco, que gosto de continuar a pintar um pouco mais de ti e de mim..

Na mansa impulsividade
que me caracteriza
quero desafiar o destino
de frente, em pungente atitude
dou o passo, tento enfrentá-lo…

pobre mortal, olha-te ao espelho
não vês que não podes desafiar o destino?
que ridícula que és
e tu
sim tu, de mãos e corpo suave
voltas a colocar os pontos e as rectas no destino
dizendo-me com palavras só tuas

não voltes a desafiar o destino
porque nunca se deve desafiar o destino


e eu pobre mortal
encolho-me em mim
e deixo o destino voltar a abraçar
os corpos que choram.

Escrito em multi-datas



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=193338