
Esboços da consciência
Data 27/08/2011 13:00:23 | Tópico: Textos
| As flores do jardim, receberam o sorriso de Esteves, que chegou primeiro e ficou sentado a escutar a melodia suave dos pássaros.
Miguel chegou:
- Então, companheiro, como vão as coisas? – disse Esteves. Tinha começado, a chamar-lhe companheiro, com o carinho que já era um vinco certeiro entre ambos. - Na boa, comandante! – a expressão que angariara, para se referir ao amigo, no mesma tonalidade de carinho e afeição que lhe tinha. - O comandante vai fazer as malas e partir para outro quartel. Miguel enrugou o sorriso; ao mesmo tempo que se acomodou no chão, com as pernas traçadas, mesmo em frente do homem maduro. A posição de atenção para receber a mensagem que se aproximava.
Esteves continuou:
- Glória quer ir comigo para a aldeia… sabe que eu lá sou mais feliz! Ela aqui, já nada tem que a prenda. Estes meses não tem sido fáceis na digestão das saudades e a aldeia irá por certo ajudar a desvanecer as nuvens que se instalar no íntimo dela. Como podes calcular, eu regozijo, com o facto de voltar a sentir a terra entre os dedos e o verde a impregnar-me as veias.
Abrir a janela, na hora marcada, para o sol nascer e com o orvalho puro como companhia, brindar a um novo dia, com a taça erguida aos cânticos das aves.
- Vou ter saudades suas. – foram as palavras, arrancadas a ferros, da boca de Miguel.
- Companheiro, as saudades, não são um sentimento mau! – fez uma suspensão. – Só sentimos saudades, das coisas fantásticas da vida. Das pessoas fabulosas, que nos penetraram o coração e das sementes férteis dos jardins viçosos; nunca das ervas daninhas.
A saudade é a linguagem do amor. Os instantes passam e as estrelas reúnem-se, para formar as nuances eternas da saudade. As estrelas contêm brilho; e o brilho é agradável ao olhar e ao coração. Os segredos saudosos, são também o piso da lua, a sua cor alva nas noites escuras. Nunca um traço negro formou uma estrela ou se enquadrou nos raios lunares. Por isso, companheiro, não penses que a saudade é tristeza, sorri com ela e para ela. Essa saudade, irá entregar-te ao âmago, quadros e quadros de aguarelas, nos vínculos futuros. O amadurecimento é construído, por flocos de saudade, que lhes incutem o sabor agridoce, aquele que é o mais sublime paladar, quando o soubermos apreciar. Quando a saudade é um lamento, só rios poluídos, correm no vórtice do olhar e a cegueira, é o tropeço dos lábios, sempre frios e doridos nos fios do destino.
Miguel tropeçou o olhar numa lágrima que sorria no rosto. Ergueu-se e colocou-se ao lado de Esteves, sentado no banco. O homem assestou as rugas da mão na mão macia do jovem…
Continuo:
-Todos os quadros são pintados, primordialmente no âmago, só depois na tela, que será exposta no exterior, onde todos a poderão apreciar. Contudo se o nascimento interno não acontecer, a tela será sempre um fundo branco que ninguém vislumbrará ou criticará, jamais…
Miguel deixou as mãos ficarem unidas, e outorgou a emoção destas palavras, para se aprofundarem na mente. Esteves entregou o rosto ao silêncio, com a férrea certeza que o quadro seria um tesouro futuro, uma criação à altura da sensibilidade que conhecia no jovem. Em Miguel tudo ainda era um esboço. As tintas, um colorido múltiplo que o amanhã lhe daria a convicção, para que o pincel se movimentasse em plena liberdade sem medo.
- Comandante, o navio está pronto e a hora de zarpar já se faz ouvir no horizonte! – disse Miguel, com o sorriso a alimentar as lágrimas que se cristalizavam na íris. - A postos, companheiro. – respondeu Esteves, enquanto levava a mão, ao topo da cabeça a fazer continência. - A viagem é curta e podes sempre trilhar o mesmo caminho para me visitares. Aliás; espero que seja em breve. – continuou, já com um tom mais verídico e emocional.
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