borboletas de agosto - 1 de 5

Data 29/08/2011 17:27:19 | Tópico: Textos


1.

5 de agosto o teu dia. todos têm um dia para nascer. apenas um. tu nasceste quando minguam os dias. ao contrário. em mim. os dias nunca param de crescer. nasci numa primavera tua – o calor de agosto é único. sufoca no pico do sol. mas com o cair da noite desdobro o primeiro casaquinho de lã. agasalho a primeira pele. encolho a face. guardo metade dos sorrisos. arrumo o corpo a favor do vento e caminho devagar de encontro ao tempo orvalhado – a melancolia dos dias pequenos está por aí a chegar – quando o agosto acaba. o setembro surge sempre a correr. a primeira humidade toca nos ossos. a solidão começa a ganhar lugar às pessoas. e as palavras quentes acabam por desaparecer – os dias escurecem mais cedo. e o corpo recupera a memória. esta necessita de sombra. de silêncio. de solidão. de cadeira. de borralho. de encostar o corpo aos olhos e rever tudo de novo. recuperar num outro tempo recordações perdidas – nada pode ficar para trás. nada pode ficar esquecido para sempre – um dia. sem que o corpo reconheça emoção. e a chuva se fizer ouvir nas telhas de vidro. levo o corpo à janela. descubro mais um natal. sei-o porque as casas estão enfeitadas com lâmpadas às cores. desejam boas-festas a um ritmo cadenciado com o apagar e acender das luzes – também tenho uma memória assim. acende-se e apaga-se ao ritmo da saudade. só não tem luz às cores. tem abraços apertados que ficaram perdidos em fotos a preto e branco – envelheço por cada natal . envelheço por cada agosto. envelheço pregado a um passado de palavras por dizer – o meu passado sempre foi agosto e natal. agora. agora é mutilação. é falta. é palavra cortada a meio. é história interminável – só a morte voltará a alinhar os corpos lado a lado. o nosso lado –




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