Gestos

Data 07/11/2011 23:02:33 | Tópico: Textos

Sim, sei que não sou de gestos visíveis - aprendi a escrever na clandestinidade da voz magoada e o resultado foi a cicatriz que trago ainda nas mãos... Sabes, foi tempo demais, o meu não-tempo. Tempo demais a forçarem-me gestos que não criei e a impedirem-me vontades que eu criei. Talvez fosse original, a minha culpa, talvez... lembro-me que nasci assim, de brandura dócil quase fraqueza dúctil. Enfim, cada um é como é, e se for para ser lírio, que seja frágil, se for para ser vento, que seja forte. Coerente.
Nunca neguei ser frágil. Nunca neguei a (talvez demasiada) brandura do gesto. Nunca neguei a fé que ainda tenho no vento... mesmo quando espezinha os lírios dos campos onde plantei, intercaladas, as minhas próprias cruzes.
Foi tempo demais o meu não-tempo, sabes. O tempo em que falaram por mim, calando-me, e em que falei, para que os outros se fingissem calados. O tempo em que escolheram por mim e me ditaram os sentimentos e os nomes a saber (e a esquecer)... Foi tempo demais a procurar refúgios para as minhas raízes; tempo demais a proteger-me da beligerância dos ventos. Agora quero o despontar. Erguer-me para o sol sem lhe seguir, obrigatoriamente, o movimento; ter o livre arbítrio das nuvens... e mesmo assim admirá-lo, saber que preciso dele, ser-lhe fiel, reconhecer-lhe a luz, ser-lhe prova de vida acontecida.
Ninguém é escravo ou dono da razão. E os gestos, que são os gestos?... às vezes o silêncio é um gesto:
o meu gesto já foi de sobrevivência;
agora, felizmente, é de liberdade...


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