
O lavrador (Cassiano Ricardo)
Data 06/04/2012 01:06:34 | Tópico: Poemas -> Dedicatória
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A tua mão é dura como casca de árvore. Ríspida e grossa como um cacto.
Teu aperto de mão machuca a mão celeste, de tão agreste — e naturalmente por falta de tacto. A tua mão sabe o segredo da lua e da floresta em seu explícito contacto com as leis ocultas da germinação.
Mão monstruosa, de tão áspera, incapaz de qualquer carícia, órfã de sutileza, indiferente ao cetim e ao veludo.
Mão colorida, em que moram os meses com veias que mais parecem cipós encordoados; com o dorso coberto de musgo e em cuja palma, e em forma de M (que não quer dizer morte) se encontram, ainda, os sinais fundos dos quatro rios que existiram no paraíso terreal.
Mão aumentada pela santidade do trabalho. Suja de terra e enorme, mas principalmente enorme como a estar sempre num primeiro plano na sucessão das coisas — frutos, árvores, lavouras — que saem dela ao fim de cada ano.
Se Cristo regressar, ó lavrador, não é preciso que lhe mostres, como eu, as feridas do corpo e do pensamento. Nem as condecorações faiscantes que os outros ostentam no peito. Mostra-lhe a mão calejada.
Mostra-lhe a mão calejada, enorme, a escorrer seiva, sol e orvalho. E os anjos virão vê-la e por vê-la tão grossa e tão dura farão com que na palma de tua mão nasçam lírios. E a exibirão no céu, como um objeto desconhecido, rústico e maltratado.
E Deus colocará uma foice de prata em tua mão grossa, ríspida, acostumada ao trato da terra terrível e te dirá: Trabalharás agora no meu campo orvalhado de estrelas. E dormirás sob a árvore da noite Cassiano Ricardo (1895-1937), poeta brasileiro.
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