[ … e tantas são as vezes

Data 20/06/2012 19:50:09 | Tópico: Poemas

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e tantas são as vezes que desejo abandonar este corpo
que me cerceia da liberdade,
que me aprisiona como o mar aprisiona ilhas,

e resisto-ne nesta
pele que se encarquilha quando o sol derrete a salmoura,
e resistem os
ossos que se desfazem em pó que outros calcam,

pudesse eu ser só, sonho,
pudesse eu ser só, pensamento,

pudesse eu
adejar como as aves ao amanhecer,
sossegando quando o crepúsculo persistisse
em esconder a claridade,

pudesse eu
acompanhar a dança das baleias em silêncio
pelas fossas mais escuras.

Das vezes que só ouço as estrelas
quando mar afora me vogo,
arribam-me os ventos que sopram de proa.

Tantas são as vezes que me afasto de ti,
quando é de mim que me quero esquecer,

[morro-me assim, lentamente].

Conseguisse eu, ler-me.







experimental, palavras rabiscadas numa Moleskine com prazo de validade.

Cercear (figurado)- restringir, coarctar
Arribar (figurado)- escapar de uma doença e ir retomando forças

ouvir estrelas...
Há que considere “Via Láctea” de Olavo Bilac como o poema mais belo escrito em português. Não sei se será ou não o mais belo, sei que é de uma das obras primas da Poesia.


XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

Olavo Bilac “Via Láctea”



[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]




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