Os chineses compraram o Luso!

Data 29/06/2012 12:11:22 | Tópico: Crónicas

Antigamente, até dava gosto vir até aqui e sentar naquele banco além, sob a sombra da latada das melancolias. Havia damas em roupão e rolos de plástico na cabeça, cada uma com a sua trouxa de crochet no colo a agulhar rosetas de poesias trabalhadas em complicados botões de efeitos floreados. Por vezes, agulhavam a quatro mãos melodiosos entrançados de finas rendas que costuravam em colchas e estendiam numa corda de molas coloridas, enfeitando os varais deste quintal por onde forasteiros se passeavam entre gladíolos e acuçenas. Não eram raras as vezes, que se encontrava um ou outro menos avisados, lançando olhares extasiados de admiração suprema, por todas aquelas belezas manuais de trabalhadas rimas, que o sol se esforçava por fazer brilhar, adejando ao vento sereno de outonais primaveras rejuvenescidas...
Os cavalheiros, quase sempre cordiais, não lhes poupavam os elogios, lançando-se em arrulhos de subtilezas sussurradas aos ouvidos, em aturadas conversações, que, muitas das vezes, acabavam por desfalecer de cansaços e resignações.
Também havia os costumeiros frequentadores do paraíso que em tempos prometia. Esses, já habituados aos rolos e aos roupões, nem ligavam muito ao crochet que ali se fazia. Estavam ali por estar. Gostavam de ter companhia e de vez em quando também eles puxavam das suas rimas que traziam nas algibeiras, as desdobravam e estendiam sobre o muro, junto aos canteiros das sardinheiras. Ali ficavam a olhá-las horas a fio numa tentativa de lhes encontrar uma qualquer utilidade antes de as voltarem a guardar nos fundilhos para no dia seguinte continuarem a estudar e a dissertar sobre as suas quadras.
Também aqui se podiam assistir a acalorados e efusivos despiques sobre os mistérios das minúcias da poesia. Lembro-me de vários, mas preferi nunca me intrometer entre os especialistas da matéria, não fosse alguma agulha desgovernada furar-me um olho...
Hoje é uma dor d'alma passar por aqui. É tão raro encontrar algum roupão de rolos na cabeça e cavalheiros submissos a segurar em novelos, dobando meadas intermináveis. Nem a tentativa de um grupo de benfeitores e antigos beneméritos, saudosistas do tempo que não volta atrás, de aqui implantarem novas espécies de flores poéticas por forma a tornarem o jardim mais aprazível e liberto de certos insectos e rastejantes que resolveram atacar em massa reduzindo a pó todo o espólio existente, salvou a tempo, este agora malogrado quintal das melancolias murchas.
O quintal parece que foi vendido aos chineses e em breve se instalará aqui uma central de poesia, que exportarão em contentores para todo o mundo. Qualquer coisa em grande, dizem alguns!


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