
Visões de um precipício inacabado
Data 29/06/2012 20:42:05 | Tópico: Poemas
| Uma pilha de livros ao lado da cama devolve-me o grito anestesiado de uma multidão de vozes estranguladas, o clarão de uma angústia derradeira que lambe o quarto saturado incapaz de anunciar a manhã. Ou será que é apenas um jogo? O desleixo alucinado da imaginação a tecer a caligrafia do medo nos contornos irrespiráveis da insónia?
As palavras saem do interior dos livros como uma réstia agonizante de luz que o vento recolhe num bocejo soletrado sem outro adjetivo que não seja este frio colado ao céu da boca, um desenho que vai perdendo a nitidez com o avançar inútil da geada sobre o andor lento dos equinócios, esta estranha e enferma sensação de que toda a dor é definitiva.
Ensaio um voo de reptil na queda abrupta dos sentidos, esvaído numa transpiração de silabas, até que a escrita regrida à visão de um precipício inacabado, liberta da curva febril dos dedos que a guiam num espelho baço, e se dissolva numa ausência de sons sobre a linha branca do silêncio plantado entre duas estrofes.
Uma pilha de livros ao lado da cama não faz de mim um poeta.
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