O silêncio do tear

Data 08/09/2012 22:16:21 | Tópico: Poemas

Com um sim se diz não.
No vagar dos tempos
Entre o espaço cidral dos teus dedos abertos
Há um tear mecânico
Onde nossas mãos ávidas
Quiseram tecelar um tapete de orelos
Com os trapos dos momentos partilhados.
Foram as nossas palavras a urdidura
Que fomos esticando
Mas o pente liço atrofiou-se uma manhã
E os fios quebraram-se.

A poesia do teu corpo ficou fechada
Com todas as vontades viradas do avesso
Não penetrei a poesia da tua flor
Nem cada detalhe do teu corpo desalinhado
Os beijos, a língua, a saliva, o suor, a pele molhada
O falo túrgido
Esmoreceram
Num campo de cardos.
Eu sei que cada um de nós um dia chegou a imaginar
Os nossos corpos fundidos
Num vaivém em suaves entregas
No fio de trama do tear
Onde tecido seria a nossa carne
E os nossos sentidos entregues a um amor sem regras.

Ficou o desejo mudo
O que faz de nós meros filatelistas
Que nos preocupamos com os pormenores mesquinhos
Da integridade da serrilha de um selo.
O desejo mudo
Esmaga-se à noite no silêncio do travesseiro,
Olhos abertos na escuridão
Ao vaguear pelo firmamento de tecto do quarto,
Sente-se o vazio de um corpo ao lado
Que respira e dorme profundamente
E o desejo de noite não é o desejo do dia
E o desejo cala-se
E a lua consente
E o sono chega
E manhã que há-de chegar não será mais uma vez
A manhã
Que com um sim se diz sim
Ao que sempre se disse não.



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