Uma visão Luso-Poemas: É Preciso Ter Menos Razão...

Data 07/11/2012 01:13:36 | Tópico: Poemas

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Uma visão Luso-Poemas: É Preciso Ter Menos Razão...

Claro. As pessoas sempre mantêm com firmeza as suas convicções quando consideram ter razão sobre algo. Nada mais justo. O “certo é o certo”, é assim que se diz, não? Nada mais ético, mais honesto para com os outros, para consigo mesmo. Desde sempre, indivíduos detêm certa dose de razão. Sob alguns ou outros aspectos pode-se afirmar até, com relativa tranquilidade, que a grande maioria das pessoas encontra-se assentada sobre determinados “lençóis freáticos de razão pura”.

Acontece que a soma de cada uma dessas “razõezinhas” pessoais é, geralmente, o que costuma resultar em absolutamente nada.

Por que é assim?

Por que, logo após uma dessas acaloradas discussões sobre um tema, cada um defendendo a sua razão - aquele tipo quente de debate onde todos buscam de forma aparentemente civilizada (ou não) manter com dignidade as suas convicções - geralmente chegamos à conclusão de que esta não serviu de praticamente nada que não para presenciarmos um punhado de indivíduos “cobertos de razão” tentando se prevalecer sobre outros participantes igualmente detentores das suas próprias razões, todas elas muito boas?

Muito interessante é que cada uma dessas razões é exposta de forma coerente, vibrante e convincente, e, por sua vez, anula (e é anulada) diante às outras belíssimas razões contrárias ou paralelas, por melhores que elas sejam.

Haveria alguma forma de se construir algo duradouro, com vida própria, apesar dessa enorme avalanche de coerência viajando em mãos contrárias?

Penso que sim: Abrir mão de razões específicas. Esquecer, ao menos uma vez, de que é preciso expor e prevalecer a própria razão perante as idéias dos outros. Porque se faz necessário abrir mão das próprias conveniências para se obter algo num âmbito coletivo. Para isso, é importante compreender o que é vital ao todo, apesar de, muitas vezes, isto chocar-se às próprias convicções. Sim, é preciso “ceder” para estacar os alicerces que viabilizem certo objetivo comum para um resultado concreto num ambiente de real democracia.

Democracia... Então caímos na política?

Ser verdadeiramente democrático exige uma determinada e direcionada abnegação e humildade (não a humildade dos hipócritas ou dos ingênuos, mas sim a dos generosos, ou melhor, a dos inteligentes) e não buscar sobressair-se melhor sobre os outros apenas pelo fato de ter “mais razão”. A razão absoluta é aquela que massacra e avilta. Espezinhar os outros com excesso de razão pode até significar perder o controle da própria razão. Para um grupo, consegue-se unidade de pensamentos sobre determinada causa comum quando ela é a resultante da “soma dos sacrifícios individuais”, e não a “adição de todos os gostos pessoais”.

Como tudo na vida, também o bem-comum cobra o seu preço para realizar-se. Porém, as pessoas comumente avaliam em justamente o contrário: que é expondo o seu ponto de vista e defendendo-o com unhas e dentes que se chega ao consenso. Não: o consenso é produto do reconhecimento, da boa-vontade e da aceitação das necessidades coletivas e da supressão “consciente” (aqui friso a palavra consciente) de determinadas razões particulares, certamente aquelas inúteis ou prejudiciais ao todo. Uma verdadeira revolução surgirá quando cada cidadão, por sua conta, estiver apto a aceitar e, principalmente, “compreender” com todo o seu ser que, primeiro, contam as prioridades comuns à maioria e depois, apenas num segundo ou terceiro plano, as individuais.

O diacho é que vivemos os sensacionais “tempos modernos”: A liberdade deve ser “supostamente ilimitada”, onde as pessoas são educadas para buscar ter razão sobre tudo, em fazer prevalecer sua inteligência e suas maravilhosas idéias para construir um mundo melhor primeiro para elas e depois para os outros... É com essa irônica e romântica justificativa que os indivíduos sustentam sua prerrogativa de defender as suas idéias em detrimento de outras. Todos são, per si, os salvadores, os detentores das definitivas soluções. A isso basta – simples - que “todos os outros as aceitem”. Para isso vale tudo: ênfases, imposições, xingamentos, intimidações, e por aí vai.

Aqui no Luso-poemas, como no restante das situações da vida, essa é a ordem das coisas. Não vejo aqui alguém realmente disposto a abrir mão de algo em prol do consenso. Sim, eu leio o fórum. Todos são muito politizados e inteligentes para defenderem e bem os seus pontos de vista. Pronto: está montado o ambiente ideal para jamais haver acordo sobre o que quer que seja. Logicamente, demora pouco, muito pouco, para que um “Lusuário” que se arrogue “cheio de razão” soque (ideologicamente) a cara de outro e que este outro, com uma significativa dose de razão contrária, devolva ao primeiro, na mesma conta, o safanão recebido. Tudo isso acontece, é claro, em nome de estarem defendendo o melhor para o site. São, no fundo, como se poderia dizer? Uns beneméritos...

No “Fórum” em particular as contendas sempre acabam assim: uns virtuais olhos roxos, algumas mágoas, egos murchos, exaltados ou arranhados... Sim, é claro, aqui chamam a isso de “debate democrático”. Se é democrático, impessoal, com respeito apenas aos textos ou às ideias, reparem, por que sempre acaba caindo a discussão para o âmbito pessoal?

Ok, eu já imagino que muitos me dirão: - Você nunca veio aqui para discutir nada... Verdade. Isso que alguém contesta, com “certa dose de razão”, é apenas o usual exercício da democracia: expor com liberdade as suas idéias e impressões. Melhor assim do que não poder expressar-se... – Melhor assim? - Será essa a única alternativa democrática aplicável? Respondo que minha proposta não foca isso. Respondo que minha proposta não é mais uma tratativa para eu prevalecer algum tipo de “idéia”. Simplesmente é uma observação de que talvez seja necessário haver disposição e doação individuais para se buscar “consensos coletivos”. Penso que alguns outros não demorarão muito em tentar quebrar a minha cara em nome da manutenção do que entendem por liberdade de expressão e democracia... Afinal, por aqui, tudo acaba em pancadaria e é preciso, mais do que qualquer outra coisa, “ter razão”, não?

Infelizmente, procurar sobressair a própria razão a todo custo impondo-se sobre outras idéias, ao invés de redundar em democracia, tem se constituído - e com muito êxito - nas maiores e mais longevas ditaduras ao decorrer da história. Por aqui, penso, temos alguns pretensos ditadores com ótimo potencial para o ofício. Costumam estar travestidos na pele da figura libertária e democrata que os permita falar o que lhes dá na telha com claro fito de manipular em causa própria, porque, afinal, se “estão com muita razão”, devem, até por uma questão de “consciência”, defendê-la, mesmo à custa de oferecerem ofensas pessoais, cinismos e idiossincrasias.

Isso é o tudo de todo o porquê de, neste site, eu ser, segundo o conceito de alguns “engajados”, um grande alienado quanto às “importantíssimas e cruciais questões em prol da comunidade Luso-Poemas”. Claro, podem quebrar a minha cara à vontade por aqui, afinal, seria o Fórum o local correto para essa exposição. Mas era preciso dizer o que eu disse assim, neste formato (mesmo até que, sobre esse assunto, “eu possa não ter qualquer razão”).

É por essa e por outras que eu acho que por mais que se considere ter “plena razão para tal”, não se deve (embora, admito, realmente se possa), por exemplo, comentar que um texto escrito por alguém está uma “merda”, nesses termos ou próximo disso. Há milhares de formas mais interessantes e proveitosas para se dizer algo do que fazê-lo assim. É de obviedade ululante que o formato é ofensivo e gratuito a quem lê, busca a humilhação e o escárnio e qualquer justificativa em contrário (como insistir que a crítica é apenas e unicamente ao texto), refinada hipocrisia. Afinal, o que se ganha de real agindo assim? Sentimento de liberdade? Poder? Confiança? Alívio? Ascendência sobre terceiros? De que se beneficia o autor ao ler esse tipo de crítica? Vai agradecer pelo comentário extremamente “sincero”? Vai reputá-lo como balizado e isento? Francamente... Sim, o “excesso de razão” pode ser uma dolorosa tirania.

"Não existe o universo sem a infinita diversidade. Qualquer intervenção humana recairá no artificial". Entendam como quiserem.

(Gê Muniz)



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