Ícaro Avesso

Data 14/11/2012 13:21:26 | Tópico: Poemas

Antes de morrer, acendeu um cigarro.
Como uma fome, uma ereção,
Seu corpo sentiu desejo de câncer.
Afinal, para quem está vivo, o que mais resta, senão,
Escrever a morte com dois quartetos e dois tercetos?
Tragou a fumaça e, sóbrio,
Lembrou-se de poemas beats que leu no passado.
Enquanto limpava a testa com o lenço velho,
Solfejou Belchior.
Apesar dos dedos trêmulos,
Ajeitou a barra da calça que poderia atrapalhar.
Levantou, pegou dois tijolos que estavam encostados,
Posicionou-os próximo ao parapeito de onde via a cidade
- impressionante como nunca havia notado que o vizinho ouve sempre boleros antigos... – disse.
Mirou um orelhão na avenida,
Coçou o calcanhar com a unha suja,
Tomo distancia e despencou.
Enquanto caia, pensou: “será que desliguei o abajur?”

Sua foto, no jornal de hoje, embrulhou o fígado que comprei.



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