palavra que mata

Data 15/11/2012 23:06:08 | Tópico: Poemas




fugiram me as palavras
já nada me dizem no seu falar
cansei de lhes afagar a pele
já lhes puxei as letras dos cabelos
até me arrancarem dores nas entranhas
já nada me dizem as palavras

ficaram vazias dentro de mim
expulsaram me de si
proscreveram me para fora dos limites guturais
fizeram me apátrida do tempo
fiquei sem documento
sem avatar sem signo sem mês lunar

os astros que as palavras criaram
já não circulam nas minhas veias
os desígnios que elas me ditaram
apagaram se
nas minhas mãos alinhavadas mas não delineadas
o leão ruge palavras que me agridem os ouvidos
insanidades brincam esquizofrenias literais
dentro da minha boca trinco a língua ensanguentada
e os fonemas vocálicos trituram me em consonânticos ruídos
desesperos do coração que não lhes encontra a alma gémea

entro me nas frases esquecidas da memória
saio nas orações ladainhadas de cor
e os textos mentalizados vocalizados grafitizados
rasgam se nas páginas amarrotadas de inspiração infectada
os traços sémicos dos poemas quebram se nas pontas dos meus dedos
evocações linguísticas
figuras paroxísticas
travaram se de razões no meu peito cheio de ar
no vácuo de uma sístole

vagam vagas devagar bagos enrolados no falar deste mudo mudar quedo
versejam me nos dentes prantos quentes fervilhando me dementes
triste mente que sente quando ausente e quando mente
rio me de mim na rima pobre tristemente ritmadamente dolente
não me consolo no solo da semente da palavra enraizada fora de mim
brotam pedras no discurso por espinhos trucidados por públicos jardins

pássaros de fogo arribaram o discorrer do pensamento
e aninharam se dentro da minha cabeça oca
enfeitaram me as sinapses de penas remígeas de bico aparado
e grafaram me de penas capitais num poema cerebral
em sangue derramado na minha assinatura acidental

palavra que morreu







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