O Último Copo

Data 20/03/2013 22:42:45 | Tópico: Textos

Acorda para mais um dia, mais um dia… Já é tarde. A noite aproxima-se, escura e fria, cuja tamanha neblina o enche de incertezas e de dúvidas. Desse mistério, cria o desespero que o envolve com uma fina corda à volta do seu pescoço. Vai para o banheiro, com o crepúsculo de esperança de que a água tépida possa renovar e abençoar uma pele já há muito desgastada por um tempo de pecado. Que o alivie de um sufoco de um pretérito.
Veste a sua roupa e sai para a rua. Vagueia por entre as ruas do Bairro Alto. Mais uma noite, mais um fragmento de vida desperdiçado. Bebe mais um copo, fuma mais um cigarro, alcoolizando uma ilusão, queimando uma visão. Rodeado pela multidão, por uma sociedade demente, porém, sente-se totalmente só. Conhece mais uma mulher, mais um corpo de puro e impuro prazer. Reflete, nesse corpo, toda a sua fúria, mágoa e luxuria que a vida lhe impôs. É um toque que arde. Um ósculo que não sente. Olhar que não transmite, completamente vazio. É, apenas, mais uma alma para fomentar a sua interminável insaciabilidade. A noite termina, a mulher estava só de passagem. Testemunha de uma chacina, de uma alma perdida.
Chega o primeiro dia do seu 36º inverno. Alma que não sente, perecida, com uma sensação dormente de um passado que a persegue. Calafrio que permanece e que se agarra aos seus ossos, estação após estação. O Sol nunca mais chegou nem chegará. O tempo passa, a vida passa e não fica. Hoje bebe mais um copo, o último copo. Hoje é oficializado o seu fim que já tinha perdurado durante bastante tempo enquanto sobrevivera. Finalmente.



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