Memórias de Uma Insana IV – Tentativa de Homicídio

Data 09/04/2013 21:29:23 | Tópico: Contos


Foto Betha Mendonça

Memórias de Uma Insana IV – Tentativa de Homicídio
by Betha Mendonça

Não tenho ideia de quanto tempo passei na ala psiquiátrica quatro. Lembro que vivia entre estado de torpor, as boas alucinações visuais dos remédios e as sessões diárias com o doutor; nas quais omitia fatos e tentava parecer o mais lúcida que minha mente dissimulada podia.

Quando estava sozinha, às vezes mordia com força um lábio até sentir o prazer do gosto do sangue na língua. Então sonhava com o dia que sairia dali para outra ala, onde eu pudesse ouvir mais que as vozes cansativas do corpo de enfermagem, o doutor e as minhas vozes interiores.

Tudo aparentava melhora. Mas, tomei implicância por uma enfermeira. Ela sabia quem eu era. Que a docilidade e colaboração que eu demonstrava com o prosseguir do tratamento eram falsas e falou-me numa das vezes em que estivemos a sós.

Tentei me controlar. Uma força me impelia a dar-lhe uma lição por ousar esfregar a verdade na minha cara. Tem coisas que a gente sabe, pode dizer para gente mesmo e não dá a ninguém o direito de nos mostrar claramente.

Uma colega da moça abriu um pouco a guarda e eu consegui ficar com a colher de plástico de uma das refeições. Nada que pudesse ferir a mim ou a outra pessoa, elas deixavam comigo. Sempre duas pessoas me vigiavam a alimentação. Depois todo material usado era levado embora. E eu conseguira uma colher de plástico!...

Por mais de uma semana olhava para ela como um valioso troféu, enquanto alimentava cada momento mais raiva da agora minha inimiga mortal: a enfermeira. Horas a fio eu avaliava os modos de vingar-me dela com aquela arma.

O momento chegou. Enquanto ela me aplicava na veia uma medicação sob a supervisão da Enfermeira Chefa, a segunda foi chamada com urgência pelo alto-falante do hospital e saiu às pressas do quarto. Com força hercúlea quebrei a colher deixando só o cabo, pulei sobre ela e soquei-lhe a face até sangrar seu nariz. Aproveitei que estava tonta e fui enfiando o cabo da colher no corpo, ferindo a pele em vários lugares. Quando peguei o aparelho de injeção e ia furar seus olhos fui contida pela voz do doutor que gritava: - Pare!

O doutor não pareceu surpreso com a cena que presenciara. Creio que apesar da dissimulação, eu não conseguia esconder dele o ranço da loucura apegado ao meu corpo e mente.



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