Memórias de Uma Insana XIII – Suicídio

Data 29/08/2013 02:50:45 | Tópico: Contos


Foto Betha Mendonça

Memórias de Uma Insana XIII – Suicídio
by Betha Mendonça

A ala de isolamento três do manicômio era bem mais agitada que a quatro. Com a janela e sem paredes acolchoadas, que abafavam sons e evitam traumatismos, um mundo de novidades se abria a cada hora.

Nessa manhã havia corre-corre e burburinho no setor. Presa no meu quarto eu dava um braço para saber do que se tratava... Achatei a cara no vidro da porta e liguei em potência máxima os ouvidos para saber quais as novas. O ruim era a saliva da impregnação dos medicamentos, que ainda abundante, encharcava a vidraça e eu tinha que enxugar para melhor visibilidade do corredor.

Ouvi os gritos histéricos no quarto ao lado de um dos malucos meu vizinho de infortúnio. O homem berrava palavrões que eu nem conhecia. Impropérios a sua esposa. Ou ela era uma grande vagabunda ou não passava de delírio dele. As profissionais falavam de modo pausado para que se acalmasse e entregasse o pedaço de espelho que tinha nas mãos. Como assim? Ele tinha espelho e eu que era mulher não podia ter um? Ia protestar! Ia sim! Mas, deixaria isso pra depois...

Como quem acompanha uma novela no rádio apurei mais os ouvidos. O maluco dizia que era para avisarem para aquela vaca (mulher dele) que ela era a culpada por tudo que lhe acontecera e calou-se. Os terapeutas e enfermeiras da ala falavam entre si coisas que eu não entendia e soltavam exclamações como: - Pare! -Não faça isso! -Cuidado! - Ó, Deus!E minutos depois se fez silencio. Duas enfermeiras passaram correndo e rapidamente voltaram com uma maca e mais um enfermeiro. Pelo vidro da minha porta assisti os acontecimentos como uma telenovela.

A maca voltou com meu vizinho. Os olhos abertos parados, esvaído em sangue: punhos cortados, face, braços e um pedaço de espelho enfiado no peito. Acho que ele estava morto!

Durante a terapia quando toquei no assunto ninguém me explicou o que houvera. O doutor era um homem bom e evitava fatos que julgava que atrapalhariam a cura que eu teria...




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