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Memórias de Uma Insana XIII – Suicídio

 
Tags:  loucura    suicídio    insana    manicômio    hospício  
 
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Foto Betha Mendonça

Memórias de Uma Insana XIII – Suicídio
by Betha Mendonça

A ala de isolamento três do manicômio era bem mais agitada que a quatro. Com a janela e sem paredes acolchoadas, que abafavam sons e evitam traumatismos, um mundo de novidades se abria a cada hora.

Nessa manhã havia corre-corre e burburinho no setor. Presa no meu quarto eu dava um braço para saber do que se tratava... Achatei a cara no vidro da porta e liguei em potência máxima os ouvidos para saber quais as novas. O ruim era a saliva da impregnação dos medicamentos, que ainda abundante, encharcava a vidraça e eu tinha que enxugar para melhor visibilidade do corredor.

Ouvi os gritos histéricos no quarto ao lado de um dos malucos meu vizinho de infortúnio. O homem berrava palavrões que eu nem conhecia. Impropérios a sua esposa. Ou ela era uma grande vagabunda ou não passava de delírio dele. As profissionais falavam de modo pausado para que se acalmasse e entregasse o pedaço de espelho que tinha nas mãos. Como assim? Ele tinha espelho e eu que era mulher não podia ter um? Ia protestar! Ia sim! Mas, deixaria isso pra depois...

Como quem acompanha uma novela no rádio apurei mais os ouvidos. O maluco dizia que era para avisarem para aquela vaca (mulher dele) que ela era a culpada por tudo que lhe acontecera e calou-se. Os terapeutas e enfermeiras da ala falavam entre si coisas que eu não entendia e soltavam exclamações como: - Pare! -Não faça isso! -Cuidado! - Ó, Deus!E minutos depois se fez silencio. Duas enfermeiras passaram correndo e rapidamente voltaram com uma maca e mais um enfermeiro. Pelo vidro da minha porta assisti os acontecimentos como uma telenovela.

A maca voltou com meu vizinho. Os olhos abertos parados, esvaído em sangue: punhos cortados, face, braços e um pedaço de espelho enfiado no peito. Acho que ele estava morto!

Durante a terapia quando toquei no assunto ninguém me explicou o que houvera. O doutor era um homem bom e evitava fatos que julgava que atrapalhariam a cura que eu teria...

 
Autor
Betha Mendonça
 
Texto
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Enviado por Tópico
Srimilton
Publicado: 29/08/2013 03:10  Atualizado: 29/08/2013 03:10
Membro de honra
Usuário desde: 15/02/2013
Localidade: Nenhuma
Mensagens: 1830
 Re: Memórias de Uma Insana XIII – Suicídio
Li numa tacada rápida como exige o texto.
Senti a pressão das imagens! Gostei, mesmo!

Um abraço!


Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 29/08/2013 19:37  Atualizado: 29/08/2013 19:37
Colaborador
Usuário desde: 12/07/2007
Localidade:
Mensagens: 1988
 Re: Memórias de Uma Insana XIII – Suicídio
a ideia está boa, o espaço cénico em que escreves também,ou seja,
quem já não passou por isto?: em sonhos,também.

os palavrões do homem, mesmo que não se conheçam, são proferidos...e por consequente, devem ser escritos, tornam a peça em si mais rica...



-pormenores apenas de quem anda em ensaios teatrais à bem mais tempo.



abraço.




Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/08/2013 22:49  Atualizado: 30/08/2013 22:49
 Re: Memórias de Uma Insana XIII – Suicídio
" Mon Dieu!"

Este capitulo foi forte... espero que a insana não imite este vizinho, maltratado pelos pensamentos hostis à esposa e que as obsessões venceram... sangue demais, senti aqui, de tão verdadeiro, acontece mesmo(sei).


Fico a espera do próximo...


Beijo, Betha



Bom fds


Enviado por Tópico
GELComposicoes
Publicado: 31/08/2013 15:20  Atualizado: 31/08/2013 15:20
Membro de honra
Usuário desde: 04/02/2013
Localidade: Uberlândia - MG - Brasil
Mensagens: 2314
 Re: Memórias de Uma Insana XIII – Suicídio
Alguns dias sem aparecer e eu já ia perdendo.
Demais, como sempre.
Abração.