Memórias de Uma Insana (Final)–Natal Macabro

Data 01/09/2013 14:00:16 | Tópico: Contos


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Memórias de Uma Insana (Final)–Natal Macabro
by Betha Mendonça

Naquela manhã chuvosa de dezembro.Cara pregada na grade da janela que dava para a rua (lugar onde eu não tinha a menor vontade de estar), o andar apressado das pessoas carregadas de sacolas lembrou-me o longínquo Natal...

Por falta de calor humano fazia muito frio na mansão da minha família.Uma semana antes das festas, o frenesi dos empregados em arrumar a casa e as malas dos meus pais (iam para Nova Iorque com um grupo de amigos endinheirados) era estranho parque de diversões para mim e meus irmãos.Ouvimos falar da neve, dos passeios, dos presentes e toda uma programação que com dificuldade entendemos: não faríamos parte.

Dias depois acordamos e fomos avisados pela governanta e nossas babás que papai e mamãe já haviam partido. Deixaram beijos e abraços.A casa com uma decoração natalina cinematográfica para que pudéssemos aproveitar em brincadeiras e empregados muito bons conosco - não sei se por piedade ou por serem bem pagos - faziam de tudo para nos divertir e alegrar.

Na Véspera de Natal serviram-nos uma deliciosa ceia às 21 horas, cantaram as canções natalinas de praxe e nos colocaram para dormir.Choramos de saudades de nossos pais até pegarmos no sono.

Acordamos de madrugada.Caia uma chuva torrencial com trovões e raios que clareavam aquela noite, que deveria ser mágica, enchendo-nos de temor e maus presságios.Gritamos pelos criados e não obtivemos respostas. Descemos para a sala principal. Entre confusos e espantados, nós vimos cinco homens armados com facas e revólveres vestidos em trajes de Papai Noel.A criadagem jazia ensangüentada no chão.

Desnorteados como baratas sob o efeito de inseticidas, cada um de nós correu aos gritos tentando salvar a própria pele.Eu me joguei na escada do porão, subi num móvel e me arremessei pelo vidro da janelinha que dava para o gramado do jardim. Fiquei escondida na minifloresta que circundava a casa.

Em choque, de longe ouvia os apelos dos meus manos por socorro e as gargalhadas dos bandidos acompanhadas de tiros que lembravam fogos juninos.

Não consigo precisar quanto tempo durou toda aquela atividade e nem quanto tempo fiquei em letargia, até sentir o sol já quente na minha pele e perceber um silêncio que doía por dentro.Como um robô adentrei a casa.Tudo de valor financeiro havia sido saqueado.O que não puderam levar destruíram com facadas e balas.Chamei pelos meus irmãos. Foi então que vi a macabra Árvore de Natal: no lugar dos enfeites pendiam as cabeças dos meus irmãos e dos empregados.Eu contava apenas sete anos e estou há vinte internada nesse manicômio de onde sei que só sairei morta.





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