sintoma

Data 17/02/2014 19:15:10 | Tópico: Textos -> Surrealistas

Amanheço e ela ainda está lá e perco-me, quando pela vidraça, galhos retorcidos se enraízam em meus olhos. A mente agita-se muito antes do café, pois do outro lado da rua algo que foi frondoso alicia e prende-me a visão como um quadro de espelho refletindo meu eu despaginado, assediando-me nua de histórias, de flores e frutos. Enquanto minhas mãos erguem os emaranhados cabelos, fito o corpo ressequido se elevando ao céu - como se suplicasse ter de volta a carne; sim, aquele ramificado esqueleto sepulto em um vão do céu, imitando meus bronquiais poluídos e encarecidos de oxigênio colorido. Não, não extinta, ainda, estou como aquela árvore, porém, por vezes ergo-me hirta, desconsiderando o embalo do vento, feita espectro diurno mas que, no recluso da noite, permite pousos insistentes de pássaros florescendo asas no pensamento - meus vigias noturnos a quererem deixar festivo meu vulto para não amanhecer já despido de idílicos adornos. Quase sem volume para reter luz, sinto-me caminhar sem silhueta que se deite sombra a se arrastar no chão para certeza da existência. Incomoda-me, nas manhãs, a aparência falecida daquela árvore; falida e ainda assim, tão altiva.
Que nem eu.



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