Sem eira nem beira

Data 04/05/2016 19:37:43 | Tópico: Poemas

Sem eira nem beira

Quem me dera ter o verso soberbo
na ponta dos dedos
e ser o poeta sem eira
nem beira
percorrendo estradas
de searas ambíguas…

quem me dera usar a foice
com a maestria das ceifeiras,
colhendo as espigas
como quem faz amor
com o carinho de cada palavra…

quem me dera debulhar
os sentidos
como quem tira o vestido
à nobreza das águas…

quem me dera moer
ternamente os grãos
como quem dilacera
e morde
e arranha
e venera
a farinha das letras
doiradas pelo sol…

quem me dera amassar essa massa
dos pensamentos fartos,
dos pensamentos lautos
perpetuados pela semântica…

quem me dera matar a fome das gentes
com o pão da poesia
patente da fonologia
da minha língua…

quem me dera beber o calor
das vogais
trocando as consoantes certas
num sotaque quebrado
pela côdea do alfabeto da vida,
e depois sim…

morrer para não mais escrever.




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