Dias assim-assim

Data 27/09/2016 11:47:50 | Tópico: Crónicas

Os dias nus que espreito pelo buraco da fechadura como senão fizesse parte deles, dias de sol posto logo pela alvorada da manhã. Vestido de pranto, despido de riso que não o demente.

Um riso estranho de escárnio como quem raspa as unhas na lousa despida de letras, num arrepio infinito que me atinge a cervical, assim mesmo de longe só espreitando pela fechadura.

Na vida dos outros projecto a minha, sem lhes tomar as dores que as minhas já me servem de pena maior num exercício cínico que aprendi, sem tempo para a dor dos outros!

Mas observo-as assim de longe concentrado nas minhas, diminuo-as até ao tamanho do buraco diminuto da fechadura pela qual as espreito.

A dor traveste-se de uma presença constante como uma ciática que se ferra qual dente de cão raivoso que nem as dores dos outros aplaca. Essa presença como uma aura que se projecta do lado de lá da fechadura, tudo cinzento num gemido surdo de bocas gretadas, cerradas pelo desconforto de quem se sente observado.

Uma presença sem velcros que possa descolar num arremesso de braços, como um streeper que se solta para deleite dos outros. Uma armadura medieval que não me protege dessa presença, como ácido, infiltra-se nas soldas das uniões da viseira e atinge-me a alma através da iris que me trás as imagens do lado de lá.

Cega-me essa presença constante da tua ausência!



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