Natureza morta

Data 07/07/2017 17:43:13 | Tópico: Poemas

Tinha em tempos
Maçãs, pêras e laranjas numa cesta sobre a mesa
E sempre que tinha fome comia delas e eram frescas.
Lembro-me que tinha em tempos
Fruta fresca sobre a mesa e que tinha fome.

Deveria eu ir contra a minha inércia e ser diferente
Ou apenas ser e os outros que me aceitem como sou.
Esta apatia ditatorial que me controla a iniciativa dos braços e das pernas
E que me mantém refém à cadeira a escrever estas merdas
É a imposição forçada pela rendição incondicional da vontade
Anulando quem sou, numa imensa prepotência de ser assim.

Sempre que interajo com o mundo
Na minha insensibilidade de natureza morta
Tudo se torna conveniente e inanimado pela minha acção.
Sou mais um Midas contemporâneo numa sociedade P.V.C.
Sou artificial, inconsequente e expansivo com as minhas qualidades
E nunca me retraio na tarefa de realizar o superficial.

Lembro-me que tinha em tempos
Fruta fresca sobre a mesa e que tinha fome
Hoje tenho plásticos a servir de enfeite aos olhos e gosto
Faço dietas e não me parece mal, nem diferente de ninguém.
Porque seria eu diferente?


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