O meu asno não tem nome

Data 14/04/2018 08:28:53 | Tópico: Poemas

Esta minha coincidência cava-me
e sei como me acabo,

sentado a trote.

Maldito momento em que os meus pétreos olhos
se cruzaram com os do meu amo
que não nasci escudeiro.

Esses que galopam pela lua,
que procuram sempre o bem
e ignoram os males do amor...

Eles que lutam pela verdade em cada mentira desdita,
pela justiça dos pardais,
pela virtude cega,
por nós,
nele.

Num mundo tão vazio de coração.

Ali,
quando o meu sangue escolheu ser derramado,
fugir destas veias para consigo ir.

Então
resta-me ser
voz de moinhos,
ecoar o escárnio das rameiras,
o maldizer dos taberneiros nas tabernas,
o silêncio ermo e frio das ruínas dos castelos,
o travão de todas as batalhas perdidas à nascença.

Ai,
que maldigo
os meus olhares secos,
os campos, esterilizados cirurgicamente.
Os estiletes em riste, os espaçadores em ângulos obtusos,
os fios de Kirschner no lugar...

Os meus olhos mudos caem sempre no chão.

Se fujo ao que vejo,
prevejo desgraças iminentes,
ainda que em mim não haja qualquer prever!

E, mais que a sua triste figura, sei:
triste ficarei com os seus olhares, ausentes.


me resta segui-lo,
já que da fama não me livro.

Quem achar pertinente, e o fizer duma forma descomprometida, pode o ler como uma continuação invulgar doutro meu intitulado "Moinhos".



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