Uma trova de gaúchos
Data 30/01/2020 21:18:03 | Tópico: Poemas -> Humor
| Em um vídeo no youtube que depois foi retirado assisti grande peleia mas deixei tudo anotado pois a trova dos gaúchos pode ser do seu agrado
Não sei o nome dos dois que fizeram a trovação Era um da velha guarda e um da nova geração se medindo em desafio pra honrar a tradição:
- Com a trova começando eu aviso meu patrício faz algum tempo que tu já não honra teu ofício Deve aceitar o conselho que vou dar já de início Reconheça teu fracasso antes que levar puaço fique sendo o teu vício...
- Fique sendo o teu vício? O teu verso é pedestre mas o meu tem o perfume da nossa flora silvestre Sou da escola do Gildo o rei da trova campestre Quem a ele conheceu tá dizendo que sou eu que faz o que fez o mestre...
- Que faz o que fez o mestre? Não me venha com mentira Com a tua trova morna a platéia se retira Sempre foi um faroleiro mas agora tu delira Gildo foi o rei da trova e tu só vem dando prova que teu prazo já expira...
- Que teu prazo já expira? Vim aqui mostrar serviço Se eu sou novo ou velho tu não tem nada com isso Muitas trovas já venci desde quando era noviço Mas agora é o inverso sou o cancheiro no verso e tu é só um petiço...
- E tu é só um petiço? Mas já venho no embalo Trovador que não se rende pouco a pouco eu encurralo Sou um petiço ligeiro que faz errar o pealo Uma informação te trago um petiço do meu pago vence de qualquer cavalo...
- Vence de qualquer cavalo? Tua idéia é estranha Eu vencer de ti na trova não será grande façanha Nem parece que tu é um troveiro da campanha Vou te dar informação um cavalo em teu rincão corre com burro e não ganha...
- Corre com burro e não ganha? Tu tá fora da casinha! Dez cavalos da tua terra nem dão um galo da minha Trovador sabe brigar como um galo na rinha Mesmo que tu me resista vou cortar a tua crista pra ficar igual galinha
- Pra ficar igual galinha? Isso não é bem assim... Não vou deixar uma bota pisotear no meu jardim Quem tentou cantar de galo baixou a crista no fim Mas tu é um pinto novo Quem recém saiu do ovo não pode ganhar de mim...
- Não pode ganhar de mim? Quando que foi proibido? Em toda nossa querência teu orgulho é conhecido Tu só diz que é o tal por ser muito convencido Nessa trova eu destaco tu só bate no mais fraco porque é provalecido...
- Porque é provalecido? Colega, tenha certeza que se preferir assim trovo com delicadeza Mas a minha trova é uma chama sempre acesa O teu brilho é opaco Tu é mesmo o mais fraco e mostrei tua fraqueza...
- E mostrei tua fraqueza? Mas sou eu que tô batendo Eu ainda te dou tempo de sair daqui correndo Se não quer reconhecer nem dizer que tá perdendo vou te dar muito laçaço Tu levando meu puaço finja que não tá doendo...
- Finja que não tá doendo? Isso é muito desatino Eu já vencia na trova quando tu era menino Não conhece o Rio Grande nem sabe cantar o hino Chama rancho de tapera Mas é isto o que se espera de gaúcho setembrino...
- De gaúcho setembrino? Apelou pra gaiatice Vou agora te dizer se alguém nunca te disse que teu verso já está se apoiando na mesmice Teu sonho ficou pendente Quem sonhou ser presidente não chegou nem a ser vice...
- Não chegou nem a ser vice? Tu agora te enganou Eu sonhei ser trovador e um trovador eu sou Represento a velha guarda que antes de ti chegou Mas pra teu conhecimento não mostrei nem dez por cento do que o Gildo me ensinou...
- Do que o Gildo me ensinou? Tu ficou muito aquém Tu pensa que me assusta com a idade que tem De quem banca de valente já ganhei de mais de cem Sendo velho ou um guri taura que perder pra ti não ganha de mais ninguém...
- Não ganha de mais ninguém? É preciso que se diga tão novinho é já está dando sinais de fadiga Tá esperando que a mãe venha apartar a briga Tu já tá ficando rouco e além de cantar pouco é mais feio que lombriga...
- É mais feio que lombriga? Tenho opinião oposta Se tu tem a covardia ela aqui ficou exposta Mas se o taura concorda faço agora uma proposta Vamos a trova encerrar que é pra ninguém ficar sem direito de resposta...
- Sem direito de resposta? Colega, te quero bem Tu sabe do meu valor e eu sei do teu também Fica o dito por não dito como já dizia alguém Só queremos manter viva nossa cultura nativa sem zombar da de ninguém!
Uma trova de gaúchos II
Os trovadores gaúchos como foi na vez passada voltaram a se enfrentar em peleia combinada Mesmo não sendo oficial foi bastante encarniçada:
- Quando começo a cantar não afrouxo na peleia pois o sangue pampeano corre pela minha veia Te deixo mais acuado que mosca presa na teia Pode vir de bofe azedo que eu nunca tive medo dessa tua cara feia...
- Dessa tua cara feia? Tu não vai ganhar no grito Chega dando carteiraço isso eu nunca admito Só me chama de feioso mas agora eu reflito Tu me zomba e coisa e tal mas eu sei que pega mal se tu me achar bonito...
- Se tu me achar bonito? Já te dou explicação Tá parecendo que tu vive chupando limão Num concurso de feiúra tu vai ser o campeão Eles te vendo na praça vão te entregar a taça mesmo sem a inscrição...
- Mesmo sem a inscrição? Digo com toda franqueza que a prenda que me ama diz que eu tenho beleza Basta a palavra dela pra fazer minha defesa Mas te digo companheiro se tu ainda é troveiro eu já não tenho certeza...
- Eu já não tenho certeza? Posso te dar uma sova Se tu quer ganhar de mim faça uma rima nova Que tu é feio demais o povo vê e comprova Todo mundo me assegura que tu ganha na feiúra mas não me ganha na trova...
- Mas não me ganha na trova? Todos sabem que tu mente Eu discorro cada tema com um verso diferente Mas tu veio pra falar sobre feiúra somente Eu agora me pergunto se é falta de assunto de troveiro decadente...
- De troveiro decadente? O meu verso não é brando Quando a gaita parar vou sair comemorando Eu não faço verso fraco nem se estiver brincando Como é do meu estilo te respondo sem vacilo e não fico forcejando...
- E não fico forcejando? Mas a trova é a esgrima A galera aqui presente com desdém tu subestima Eles querem que tu faça com firmeza a tua rima Se vai afrouxar o garrão é melhor deitar no chão que sapateio por cima...
- Que sapateio por cima? Quem tentou levou puaço revidou e foi pior fiz perder pelo cansaço Quis depois pedir arrego mas deixei só no bagaço Meu trabalho eu sustento só troveiro de talento faz do jeito que eu faço...
- Faz do jeito que eu faço? Tu é mesmo orgulhoso Tinha que se aposentar mas persiste de teimoso Mesmo que tu ainda seja no repente o mais famoso hoje eu sendo teu carrasco confessar que fez fiasco pode ser mais vergonhoso...
- Pode ser mais vergonhoso? Tu é muito tagarela Sei que ainda não nasceu quem me vença na querela Mas eu já mostro pra ti que tu só falou balela Mesmo me dando uma sova tudo que ganhei na trova tu não ganha por tabela...
- Tu não ganha por tabela? Mas já dizem teus rivais que tu vem reconhecendo nesses dias atuais que as tundas que levou foram pesadas demais Aos colegas trovadores se queixou nos bastidores que já não aguenta mais...
- Que já não aguenta mais? Mostro que tu tá errado Eu trovando contra dez vou dar conta do recado mas se tu é um daqueles que já chega assustado hoje vai ser o teu fim que tu não ganha de mim nem com o júri comprado...
- Nem com o júri comprado? Já ficou sem argumento Sempre fui o mais veloz e tu sempre o mais lento Tem uma notícia nova circulando nesse evento pelo que tu fez aqui eles vão criar pra ti o troféu do fiasquento...
O troféu do fiasquento? Minha fibra se destaca Mas eu já posso provar que a tua idéia é fraca Quando quer um verso novo o teu pensamento empaca e pra não passar vexame quando vai a um certame leva a rima na guaiaca...
- Leva a rima na guaiaca? Tá errando outra vez Não existe quem responda com a minha rapidez Trovador melhor que tu eu enfrento todo mês O meu verso é sem retovo Se te enfrentar de novo tu já vira meu freguês...
- Tu já vira meu freguês? Eu proponho ao vivente se algum dia tu quiser ser da trova um expoente onde eu estiver trovando quero que tu me enfrente No talento me alicerço e vou te provar no verso que não tenho concorrente...
- Que não tenho concorrente? Com certeza companheiro Quando subirmos no palco de nosso evento campeiro não vai ser só pra saber quem é o melhor troveiro mas pra divulgar de novo a cultura deste povo gauchesco e brasileiro...
Uma trova de gaúchos III
- Eu já nasci brasileiro, Gaúcho, pra ser exato, e de quem fala balela não aceito desacato Venha aquele que vier veterano ou novato mas na trova galponeira se quiser só brincadeira eu não vou deixar barato
- Eu não vou deixar barato? Eu discordo do vivente pois eu penso que tu é um faroleiro somente Numa peleia comigo que sou mais experiente vai levar tanto puaço e vai ser um erro crasso não sair da minha frente
- Não sair da minha frente? O teu verso eu não abono Diz tu que é rei da trova mas eu já te questiono Gildo quando declarou da coroa ser o dono ele até quis te ensinar mas não era pra deixar um usurpador do trono
- Um usurpador do trono? Não diga coisas atoa A ressalva que tu fez do meu trabalho destoa Eu só quero que o taura respeite a minha pessoa Quando tô improvisando tenho idéia sobrando pra honrar minha coroa
- Pra honrar minha coroa? Teu reinado é suposto Diz que Gildo te falou pra ocupar o seu posto Quer ser um dos maiorais mas eu só vejo o oposto Se tu fosse o sucessor qualquer outro trovador já teria te deposto
- Já teria te deposto? Teu valor eu nunca vi Se tu sabe improvisar mostre pra todos aqui Tu tem que reconhecer que na trova é um guri Só faz versos corriqueiros O mais fraco dos troveiros nunca vai perder pra ti
- Nunca vai perder pra ti? Se enganou este xiru A platéia aqui em volta pode ver a olho nu que guri saber trovar já não é mais um tabu Teu verso não foi feliz conheço uns trinta guris que trovam mais do que tu
- Que trovam mais do que tu? Não tá certo o que tu diz É porque não sabe ainda onde meteu o nariz Na história do improviso tu ainda é aprendiz Se tu não mudar de planos nem vivendo mais cem anos tu não faz o que eu já fiz
- Tu não faz o que eu já fiz? Verso eu faço com rigor Diz que sou só um guri e desdém o meu valor Nunca foi um enfermeiro mas garante ser doutor Muitos anos já viveu nem assim tu aprendeu o que é ser trovador
- O que é ser trovador? O teu pensamento é torto Procurando a resposta concentrado ou absorto faz do verso decorado tua zona de conforto Já me causa um embaraço pois querer te dar puaço é chutar cachorro morto
- É chutar cachorro morto? Tu só sabe é dar pitaco Já tentou me corrigir mas um erro eu destaco Diz que tua trova brilha mas o teu brilho é opaco Dos artistas de outrora no verso feito na hora tu sempre foi o mais fraco
- Tu sempre foi o mais fraco? Mas tu já mentiu pro tio Tu tem muito que aprender pra chegar no meu perfil Diz tu que sabe trovar mas ninguém ainda viu Tu só quer nos enganar Deixa esta pra contar num primeiro de abril
- Num primeiro de abril? São bobagens que tu diz pois insiste que na trova sou ainda um petiz mas levar sova de todos é coisa que eu nunca fiz Vejo que não se acovarda apanhou da velha guarda hoje apanha dos guris
- Hoje apanha dos guris? Penso que é o inverso Num talento insuperável é adonde me alicerço Dizer que não sou melhor é um ponto controverso Por já ter experiência mostro minha excelência no cabo xucro do verso
- No cabo xucro do verso? A mentira é descabida De ser o mais arrogante tua fama é merecida Tu só quer se promover e disso ninguém duvida No ofício de troveiro tu parece um boleiro que só joga pra torcida
- Que só joga pra torcida? Isto é um engano teu Que eu sou mais trovador só tu não reconheceu Tu aqui levou a tunda que teu pai nunca te deu Outra vez eu vim provar que em matéria de trovar ninguém trova como eu
- Ninguém trova como eu De ninguém se acoberta que ingressando na trova tu não fez a coisa certa pelos fiascos que faz quando o taura de aperta Dizer isto eu preciso só deixando o improviso este erro tu conserta
- Este erro tu conserta? Mas não sou deselegante Quero a trova galponeira manter forte e pulsante Com tuas rimas perfeitas tu também segue adiante Pois quem vive neste chão deve honrar a tradição deste Rio Grande gigante
Uma trova de gaúchos - Final
- Sou um gaúcho do sul onde a tradição perdura Faço um verso de puaço sem perder a compostura Hoje nós vamos na trova defender nossa cultura e mostrar nesta cidade que nossa autenticidade não se trata de grossura
- Não se trata de grossura mas da praxe pampeana Terra de Elis Regina, Lupicínio e Quintana de Jayme Caetano Braun de tanta gente bacana que se repassar a lista só com nome de artista fico mais de uma semana
- Fico mais de uma semana Este é o pampa tricolor que na capital ostenta monumento ao laçador pois pra lida do campeiro ela soube dar valor Mas pra ti não tem arrego eu não vou te dar sossego por dizer que é trovador
Por dizer que é trovador? Hoje digo aos presentes por eu ter posto teu nome no rol dos incompetentes foi ficando tão furioso que até trincou os dentes Sem saber o que dizer ficou perto de ofender até mesmo meus parentes
- Até mesmo meus parentes? Na lata dizer eu vou Sei que tu nunca será o troveiro que eu sou Tu tentou me superar mas o tempo já provou na arte de improvisar só sabe o que é trovar quem comigo já trovou
- Quem comigo já trovou? Pois eu quero te dizer Nem no teu dia melhor tu consegue me vencer Se um grande trovador tu ainda sonha em ser conhecer algo é preciso que a arte do improviso nunca é tarde pra aprender
- Nunca é tarde pra aprender? Respondo com um ditado Prefiro cantar sozinho do que mal acompanhado A mentira é um petiço e tu vai nele montado Sem minha capacidade tu perde oportunidade de permanecer calado
- De permanecer calado? Isso é um grande mistério Tu só é melhor na trova pelo teu próprio critério Mas estou desconfiando do discurso do gaudério No calor de um salseiro muito fácil é um troveiro te fazer sair do sério
- Te fazer sair do sério? Tá ficando é atrevido Os maiores trovadores a tempos tenho vencido Quem saiba rimar melhor eu procuro constrangido Quem tentou rimar igual em galpão ou festival nunca fez nem parecido
- Nunca fez nem parecido? Mas eu digo ainda bem que atochador maior nunca conheci ninguém pois se não posso tirar esta balda que tu tem numa coisa eu não errei um plebeu metido a rei eu não quero ser também
- Eu não quero ser também Tu vai ver a coisa preta Idéia eu tenho de sobra pra mais de uma carreta Tu só tem verso de manga que anotou na caderneta Eu não trouxe uma torcida mas eu ganho esta partida sem sujar a camiseta
- Sem sujar a camiseta? Não diga tanta besteira O meu verso é elegante mas o teu é bagaceira Quando fica sem resposta perde até a estribeira Eu vou te deixar sem chão pois a minha intenção é te dar uma rasteira
- É te dar uma rasteira? Não é a conduta minha sou da estirpe do Gildo Gato Preto e Teixeirinha Pedro Ribeiro da Luz Delavy e Formiguinha Luiz Müller e Tereco Te dou só um peteleco e tu desaba na rinha
- E tu desaba na rinha? Tu só vai ganhar no grito quando sapo estrebuchar engasgado com mosquito ou tropeiro repontear cavalgando num cabrito Me inspiro em Pedro Canga Se fosse verso de manga não seria tão bonito
- Não seria tão bonito tu me diz de relancina mas é hora de encerrar a nossa trova sulina Só queremos divulgar nesta arte genuína, simples e popularesca a cultura gauchesca, brasileira e latina
- Brasileira e latina E tu com tua carreira tem honrado a memória dessa geração primeira servindo de inspiração pra juventude troveira que sem fazer um hiato deixa pintado o retrato da terra sul brasileira
- Da terra sul brasileira onde nem tudo são flores mas de encanto conhecido pelos velhos trovadores que deixaram registrado os seus imensos valores Tradição que se renova em cada verso de trova dos novos versejadores
- Dos novos versejadores é a certeza que trago Eu também na minha rima nosso folclore propago e quem nos tempos remotos foi chamado índio vago transbordava em sentimento vendo chegar o momento de estar voltando ao pago
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