Há vezes que viver é contracenar com uma imensa solidão Há vezes que minha voz te busca meio à vastidão da noite Longamente como o pensamento que percorre os campos Inutilmente, prematuramente e não há mais nenhum trigal Ceifados, sem o brilho precioso, sem o ondular do outono
Há vezes que queria tua voz gritando louca na minha boca Quase lamento as folhas de melancolia dispersas pelo chão Foi aquela semente inventada no escuro do nosso coração Ora vem doer em meu peito ardendo em chamas pela noite Desde logo arrebatando meus caminhos nesse vil turbilhão
Há vezes que não sei o que dizer nem durante a primavera Ao que dentro de mim, em puro espanto, ainda te procura Ainda lembro de quando te chegavas sôfrega a meus lábios E com teu toque de girassol me fazias deus, criança, mudo Sem poder dizer que o nosso cantar fazia milagres em mim
Por vezes me deito, me levanto, olho os trevos do canteiro Olho adiante a cidade em luzes, ouço o som triste do oboé Entre todos os instrumentos da minha orquestra de agonia Deixo rastros de sangue que meu peito desvairado sangrou Há vezes que penso isso era amor, mas sei que era cegueira
A morte, diz a lenda, é o amor enorme. É enorme estar cego
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