Cena Três - Da Cegeira à Lucidez

Data 04/11/2021 16:51:29 | Tópico: Poemas

Há vezes que viver é contracenar com uma imensa solidão
Há vezes que minha voz te busca meio à vastidão da noite
Longamente como o pensamento que percorre os campos
Inutilmente, prematuramente e não há mais nenhum trigal
Ceifados, sem o brilho precioso, sem o ondular do outono

Há vezes que queria tua voz gritando louca na minha boca
Quase lamento as folhas de melancolia dispersas pelo chão
Foi aquela semente inventada no escuro do nosso coração
Ora vem doer em meu peito ardendo em chamas pela noite
Desde logo arrebatando meus caminhos nesse vil turbilhão

Há vezes que não sei o que dizer nem durante a primavera
Ao que dentro de mim, em puro espanto, ainda te procura
Ainda lembro de quando te chegavas sôfrega a meus lábios
E com teu toque de girassol me fazias deus, criança, mudo
Sem poder dizer que o nosso cantar fazia milagres em mim

Por vezes me deito, me levanto, olho os trevos do canteiro
Olho adiante a cidade em luzes, ouço o som triste do oboé
Entre todos os instrumentos da minha orquestra de agonia
Deixo rastros de sangue que meu peito desvairado sangrou
Há vezes que penso isso era amor, mas sei que era cegueira

A morte, diz a lenda, é o amor enorme. É enorme estar cego



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