| |  
 
 A B C DOS SERTÕES Data 29/06/2022 02:23:26 | Tópico: Poemas
 
 |  | A B C DOS SERTÕES A
 Água, porque sem água nada presta.
 Não tem lavoura; não tem criação,
 Em meio às carestias do sertão
 Se o sol, dia após dia, mais molesta.
 B
 Bacurau, porque a noite é longa e só
 Onde o rancho retirado se ilumina.
 Um chamego, a carícia feminina…
 Cachaça, bate-coxa mais xodó.
 C
 Cirandas, onde a tarde cai corada.
 A alegria vencendo a nostalgia
 Faz a gente encontrar a fantasia
 Nos pés descalços d'uma meninada.
 D
 Dias, enquanto o sol traz os trabalhos
 E a tarefa é entregue concluída.
 Vencer cada dia é vencer a vida
 Apesar da obra muita e os homens, falhos.
 E
 Estradas, visto o mundo sem porteira
 E as terras só amamos quando as vemos.
 Ir em frente, mesmo que deixemos
 Quando muito pegadas na poeira…
 F
 Fortes, porque chamados já de cabras
 Por percorrermos, brutos, a caatinga.
 Podem vir, que tem água na moringa
 E pólvora na audácia das palavras.
 G
 Grilos, porque atravessa a noite imensa
 Sua música esdrúxula e ritmada
 Que preenche de beleza o escuro nada
 E quando em solidão quem ouve pensa.
 H
 Histórias, repetidas desde o Graal
 Ou a que por Carlomagno principia.
 Todo um mundo d'Europa, França e Bahia
 Em roda da fogueira do quintal.
 I
 Incelenças, onde a vida é sentinela
 D'alma a ser convencida  ao passamento.
 Mas todo de esperança e sentimento
 O povo a encomendar junto à janela.
 J
 Jandaias, onde avoem mais laranjas
 E verdes entre rinhas animadas.
 Alegrem as caatingas admiradas
 Ao largo de currais, roças e granjas.
 L
 Labaredas, ardendo os canaviais
 Dos massapês em roda d'um engenho.
 Línguas de fogo vivo onde o ferrenho
 Labutar pelas noites infernais.
 M
 Merendas, para bem ver as folias
 Dos fogos e fogueiras de São João.
 E o povo que se ajunta no grotão
 Celebra menos graças que alegrias.
 N
 Nonadas, que se vive com tão pouco
 Que nem carece ter senão mais fé.
 A vida é uma estrada andada a pé
 Em que vou meio sábio ou meio louco.
 O
 Oxente! Porque só de espanto a espanto
 A conversa se estica em longo fio.
 Versejador ritmado em desafio,
 Eu, no meio do povo, incerto canto…
 P
 Pirangueiros, uns tantos vão por aí
 A desdenhar, quer viola; quer repente.
 Mas na praça a minha arte a toda gente
 Terão-de tolerar-me o caxixi!
 Q
 Quintais, onde brincava de cangaço
 De alpercatas, alforje mais chapéu.
 Ou vaquejar as reses em tropel,
 Co'o açoite lambendo no espinhaço.
 R
 Revência, verdejando no roçado
 As lavouras no meio da estiagem.
 Explodindo de ramas a paisagem
 Em contraste ao sertão já ressecado.
 S
 Sarapatel, a mor-de mais festança
 Para o povo folgar no seu gostoso.
 Um capado servido saboroso
 De se comer fazendo só lambança.
 T
 Trancelins, para a moça mais bonita
 Lá da roça vir dama cá na rua
 E ficar serenada sob a lua.
 Junto d'este que poeta se acredita.
 U
 Urupema, de letras, não de grãos
 O ofício de em cordéis se versejar:
 Pôr cada palavra em seu lugar
 Ao aplauso ou arrepio dos cidadãos.
 V
 Valentias, que a heróis estes sertões
 Cantam os sertanejos romanceiros.
 Lembrados por famosos violeiros
 No afã de se falar aos corações.
 X
 Xique-xiques, que a seca dá ao ganho
 Dos homens e dos bichos da caatinga
 Pouco vale ao caboclo a sua rezinga
 Tampouco ao carcará o seu gadanho.
 Z
 Zabumba, caixa, triângulo e sanfona
 Se acheguem a encerrar esse abecê
 Mais um forrobodó aqui se vê
 Ao povo mais feliz de toda a zona.
 
 Betim - 28 06 2022
 
 | 
 |