A B C DOS SERTÕES

Muito obrigado, Transversal, pela leitura atenta e o generoso comentário.

Os ABCs são formas populares na literatura de cordel do nordeste do Brasil, isto é, uma produção poética folclórica de livros de pequena tiragem, geralmente ilustrados com xilogravuras de iconografia típica nordestina que é vendida em feiras populares e espaços públicos expondo os livretos em varais d'onde pendem em "cordéis" para fácil manipulação do leitor-comprador. Há anos tinha intenção de escrever um e fico feliz de ter escrito este com palavras que sempre me chamaram a atenção d'esse vocabulário regionalista.

Com efeito, mais do que uma forma poética caprichosa, o ABC cumpre apresenta bem esse fenômeno do poeta se deslumbrar com certas palavras, apaixonado com seus sons e sentidos. Embora pareça meio infantil como os acrósticos às vezes, a estrutura previsível do ABC demonstra que mesmo formas tradicionais podem ser revisitadas sem se pretender imitar o feitio dos antigos. Tem muito a ver com a técnica do repente, onde palavra puxa palavra; onde o mote puxa a glosa... O paisano dá a palavra e o repentista desenvolve o verso. No caso do ABC, o paisano dá a letra na sequência do alfabeto e o poeta escolhe a palavra que à guisa de fia mestra há-de alinhar todos os tijolos da fiada do verso na alvenaria da estrofe. Depois das paredes levantadas no poema pronto, o leitor faça morada na poesia e sua evocações folclóricas.

Lindo demais, eu acho.

Abraços, RicardoC.

Com efeito, caríssimo.

Penso que as viagens deveriam ser, sobretudo, uma imersão na cultura e no clima d'um lugar. Um verdadeiro "estar ali". Verdade que isso inclui uma certa dose de perrengue e risco, mas as surpresas são sempre mais interessantes do que as certezas. É certo de que se eu fosse a Paris eu visitaria a Torre e comeria nos bistrôs, mas, no meio de milhares de turistas eu seria apenas mais um turista, não um explorador em face de descobertas. A surpresa de estar entre os sertanejos e vivenciar seus perrengues como se um d'eles fosse abriu meus ouvidos para a melodia de seu sotaque e para a poesia de suas palavras. Reproduzo no ABC o encantamento que os vocábulos e costumes que cultivam me causaram.

Visitei o sertão da Bahia em duas ocasiões, atravessando-o primeiro rumo a Salvador e depois rumo a Ilhéus. A visão do planalto baiano a partir de Vitória da Conquista é algo indelével em minh'alma: o descortinar da amplidão d'uma paisagem onde eu mesmo iria estar logo após... Em ambas ocasiões, saí de e voltei para Belo Horizonte. Conheci a caatinga e brinquei as festas de são João. Não obstante, toda viagem é também literária com Graciliano Ramos e Jorge Amado a tiracolo. As palavras encontram seu habitat nas pessoas que as falam e é bom ver a literatura vir do povo e voltar para ele.

Fico feliz que meu ABC tenha te trazido boas lembranças, Mr.Sergius. Espero que continues gostando de minhas viagens pela língua portuguesa falada e escrita no Brasil.

Abraços, RicardoC.