Do tempo de outros tempos

Data 31/01/2023 13:31:11 | Tópico: Poemas

De vez em quando, lá vinha a Tia Xica a subir a calçada com uma caixa de madeira à cabeça e que a rodilha ajudava a equilibrar - "Sardinha... quem quer sardinha? Olhem que é tão fresquinha!" - Vendia-se à meia-dúzia e à dúzia a maior, ou então ao quarteirão se fosse daquela miúda que era boa para embrulhar na farinha e deitar à frigideira.
De maneira que, de vez em quando, para acompanhar os pimentos fritos, uma sardinhita assada nas brasas do lume em cima de uma fatia de broa e um pinguito de vinho palheto para empurrar. Chamavam-lhe o "Jantar", ainda que pouco passasse do meio-dia. Outras vezes comia-se à ceia, pra môr de compôr o estômago antes de se ir prá cama.
A Ti Guilhermina nem sardinha nem nada... Depois de deitar o almoço na mesa aos seus lá de casa, metia uma côdea de broa seca na algibeira do avental e abalava a pé prá Deguimbra. Seria quê? Umas boas duas horas de caminho por entre pinhais onde um carreiro coberto de caruma e raízes a saltarem das pedras. Diz que por lá a rega do milho que já tardava, a não a deixar descansada...
A minha avó contava-me que noutros tempos, quando era mais nova e as pernas ainda lhe não doíam e caminhavam bem, costumava ir buscà-las ao mercado de Côja e punha-as a secar dentro de um cesto, em cima de uma carqueja, pendurado na trave da sala. Haveriam de dar para todo o mês, entremeadas com o porquito arrecadado na salgadeira...
E tudo isto num tempo em que uma sardinha se dividia por três!

Cleo
Após quase dez anos de ausência deste lugar onde aprendi a dar os primeiros passos, cá estou eu de volta, agradecendo o convite que me foi feito e ao qual tentarei responder na medida do meu vagar... Bem hajam!



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