
Amargo demais
Data 22/03/2023 00:37:11 | Tópico: Poemas -> Surrealistas
| Encarar o passado é navegar no rio turvo que nos afronta Sonhar mas não dormir sob sussurros inquietos dos astros Um árido deserto o qual disputam lagartos e rosas bravas E qual papel estás preparado a desempenhar? A ave solta Entre nuvens brancas no céu? O capitão de mão de ferro Um rei enforcado no jardim? A montanha lá longe do mar Em verdade podes olhar a sujeira que o espelho te revela? O passado é a fome tanta que até os vermes já morreram O resto no prato vazio e que apraz às invencíveis baratas O passado é o açoite, centos lábios em gritos e grunhidos A mais plena solidão, sem porquês, até se duvida de Deus Eis que a fumaça dos incensos ora é a fumaça de canhão Conheces o presente? Cheiras ou percebes esse amargor? Nem assim olhas a sombra às tuas costas, o que há por vir O que pode dar ao desenlace e cobra uma cifra sangrenta Será que buscas em tuas axilas um voo qual o do condor? Nenhum bálsamo sabe apagar o sofrimento que te fustiga Olha para a frente, lá é o presente: risos, gestos e acenos Esquece o passado, esquece a chaga traçada na tua pele São os efeitos de feitiço forjado por esses verbos inúteis O passado são dentes sujos de cáries e amarelos de sarro É o vômito espesso, do excremento ao temor e do sangue O passado é a mulher - menina afogada pelo sêmen brutal É o guri sem futuro estripado ao pé dos muros da cidade O passado não move moinhos e nem o ponteiro das horas O passado se move fermentado de visões só na tua pupila
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