Sobre um rústico carrinho de rolimã (*) Descia o menino ladeiras de memórias Tão contente quanto caiba no peito Ou nos esgarços do asfalto na pele Medalhas de ousadia nas ruas inclinadas Agora ancorado pelas trevas da vida Hoje percorreram as mesmas ruas Seu pai e apenas quatro vizinhos Carregando a pequena caixa mortuária O passo dos cavalos soa um réquiem Olham de cima uma turba de abutres O caminhar triste do minguado cortejo A vida não explode mais em folguedos Mas no lamento da falta bela e clara Pregando que a chuva lave toda angústia Não, não foram as descidas desabaladas Ou as quedas da goiabeira do quintal Foi a bala sem rumo a cruzar seu destino Foi a retórica vazia de explicações oficiais Tão inúteis como o carrinho abandonado Que enferruja no terreno da esquina Bem vizinho ao muro do cemitério Onde o corpo do menino apodrece em paz.
 (*)O carrinho de rolimã é um brinquedo usual, manufaturado agora apenas nas cidades menores, feito de tábuas de madeira, pedaços de caibros e rolamentos de caminhão. Com ele as crianças descem ladeiras asfaltadas em geral sem freio, que terminam bruscamente onde a rua acaba. As medalhas dessas competições são os ralados na pele que define a coragem de seu portador.
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