Poemas : 

Bala perdida, bala achada

 
Sobre um rústico carrinho de rolimã (*)
Descia o menino ladeiras de memórias
Tão contente quanto caiba no peito
Ou nos esgarços do asfalto na pele
Medalhas de ousadia nas ruas inclinadas
Agora ancorado pelas trevas da vida
Hoje percorreram as mesmas ruas
Seu pai e apenas quatro vizinhos
Carregando a pequena caixa mortuária
O passo dos cavalos soa um réquiem
Olham de cima uma turba de abutres
O caminhar triste do minguado cortejo
A vida não explode mais em folguedos
Mas no lamento da falta bela e clara
Pregando que a chuva lave toda angústia
Não, não foram as descidas desabaladas
Ou as quedas da goiabeira do quintal
Foi a bala sem rumo a cruzar seu destino
Foi a retórica vazia de explicações oficiais
Tão inúteis como o carrinho abandonado
Que enferruja no terreno da esquina
Bem vizinho ao muro do cemitério
Onde o corpo do menino apodrece em paz.



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"Somos apenas duas almas perdidas/Nadando n'um aquário ano após ano/Correndo sobre o mesmo velho chão/E o que nós encontramos? Só os mesmos velhos medos" (Gilmour/Waters)


(*)O carrinho de rolimã é um brinquedo usual, manufaturado agora apenas nas cidades menores, feito de tábuas de madeira, pedaços de caibros e rolamentos de caminhão. Com ele as crianças descem ladeiras asfaltadas em geral sem freio, que terminam bruscamente onde a rua acaba. As medalhas dessas competições são os ralados na pele que define a coragem de seu portador.
 
Autor
Sergius Dizioli
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 22/03/2023 15:22  Atualizado: 22/03/2023 15:22
 Re: Bala perdida, bala achada
Carrinho de rolamentos


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