
"Tecedor de amanhãs"
Data 09/04/2023 11:21:22 | Tópico: Poemas
| Desfolho o tempo, devagar, em camadas, E vou assistindo minhas mãos cansadas Projetando estranhas sombras chinesas Sobre antigos e desusados bibelôs.
Chama a minha atenção A cúpula em chamas Do abajour inglês Encardida e carcomida Pela morte e pela vida Dos pequenos seres.
Brinco com os dedos, numa cena patética e pueril, Misturando teatro itinerante Com origamis japoneses.
E, do nada, começo a traçar linhas imaginárias, Desenhando pelo ar, Nos nós dos caracóis Que evolam do cigarro, Pequenos corações Com nomes desconhecidos Que insiro dentro deles.
E desperto com a brasa acesa Das sensações recolhidas dispersas No decorrer da lida diária.. Reminiscências antigas projetadas na parede da memória Relatam uma história Não contada nos livros.
E o tic-tac do relógio da parede Vai ditando as horas Num frenesi alucinante Enquanto lá fora O mundo adormecido Insiste em me dizer não.
Vou traçando assimétricos arabescos Tingindo o som do meu âmago com o vento Que sibila entre cordas nos outeiros Empunhando bandeiras sem causas e sem cores.
E recolho-me dentro desta solitude A lamentar o tempo que escoa sobre A minha inerme existência e que coa Os dígitos em simples alfarrábios.
Devaneio em árvores que, ninguém Sabe o porquê, esse ano não deram flores. Falho ao rimar rumo a um oceano dúbio de inconstantes esperanças tardias Onde o pão de cada dia Vai consumindo o homem de cada mês.
E o tempo escoa entre os dedos das minhas mãos E a sensação que tenho É que o tempo tende a não tecer mais auroras Para que os cantos dos galos do futuro (Presos em gaiolas) Nunca mais possam tecer novos... Amanhãs!
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