Desfolho o tempo, devagar, em camadas,
E vou assistindo minhas mãos cansadas
Projetando estranhas sombras chinesas
Sobre antigos e desusados bibelôs.
Chama a minha atenção
A cúpula em chamas
Do abajour inglês
Encardida e carcomida
Pela morte e pela vida
Dos pequenos seres.
Brinco com os dedos, numa cena patética e pueril,
Misturando teatro itinerante
Com origamis japoneses.
E, do nada, começo a traçar linhas imaginárias,
Desenhando pelo ar,
Nos nós dos caracóis
Que evolam do cigarro,
Pequenos corações
Com nomes desconhecidos
Que insiro dentro deles.
E desperto com a brasa acesa
Das sensações recolhidas dispersas
No decorrer da lida diária..
Reminiscências antigas projetadas na parede da memória
Relatam uma história
Não contada nos livros.
E o tic-tac do relógio da parede
Vai ditando as horas
Num frenesi alucinante
Enquanto lá fora
O mundo adormecido
Insiste em me dizer não.
Vou traçando assimétricos arabescos
Tingindo o som do meu âmago com o vento
Que sibila entre cordas nos outeiros
Empunhando bandeiras sem causas e sem cores.
E recolho-me dentro desta solitude
A lamentar o tempo que escoa sobre
A minha inerme existência e que coa
Os dígitos em simples alfarrábios.
Devaneio em árvores que, ninguém
Sabe o porquê, esse ano não deram flores.
Falho ao rimar rumo a um oceano dúbio de inconstantes esperanças tardias
Onde o pão de cada dia
Vai consumindo o homem de cada mês.
E o tempo escoa entre os dedos das minhas mãos
E a sensação que tenho
É que o tempo tende a não tecer mais auroras
Para que os cantos dos galos do futuro
(Presos em gaiolas)
Nunca mais possam tecer novos... Amanhãs!
Gyl Ferrys