Noturno 6.8

Data 17/05/2023 21:50:43 | Tópico: Poemas

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Quando morri - e esta não é uma retórica ou força de expressão, morri de verdade por alguns minutos em 2015 - tinha certeza que jamais voltaria a 1. viver; 2. escrever; 3. beijar de novo; 4. como consequência do no. 1, fazer outro aniversário.
Era fim de tarde e quando anoiteceu o destino quis que eu voltasse a fazer tudo isso. Faltava exato 1 mês para meu aniversário. Eu tinha 59 anos e decidi que se vivesse, a cada ano no meu aniversário escreveria um poema e se chamaria Noturno.


A fria imagem de mármore cinzelado, imitando pássaro
Que pulsa na paisagem qual o conluio entre dois reinos
Amanhece em meio à chuva neste tempo de lembrança
Ao qual o poeta reconhece, mas nem sempre o realizou

Ser fulgurante outrora nascido sob o manto dos astros
Sua cintilação conduz-se no negro voo no seio da noite
A nostalgia realça seu brilho e vem para inaugurar a luz
Perpassa o ouro em suas palavras, qual o fogo da ilusão

O pensamento que jazia adormecido, ressuscita seu ser
O lobo que sempre alimentou e com quem viveu em paz
Na visão interior de modo ambíguo em fumos de alegria
Imagem de um sonho que se esquiva de toda a ausência

Guarda um jeito perturbado, tanto áspero pela angústia
Ora a face mais serena, calada, ora o gárrulo, o espanto
De suas prédicas negras nos amargos versos cicatriciais
A sombra que invade o carvão do silêncio d’outros dias

Em meu voo solitário observo meus inimigos à distância
Os quais atraio com o suor de falas acesas e inflamadas
Aqui descortino meu ser, pelo avesso, meu avaro andar
A brandura que não ostento, como a todo corpo de pó

O tempo marca mais um momento de um zodíaco triste
Além dos campos áureos de trigais e lilases de alfazema
Em que o vento balouça novas hastes florais nesta vida
Em memórias onde também se agita alva roupa no varal

O abandono do pássaro pulverizado repetido outra vez
Nesta hora de um silêncio já cansado de tanta infância





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