Poemas : 

Noturno 6.8

 
***
Quando morri - e esta não é uma retórica ou força de expressão, morri de verdade por alguns minutos em 2015 - tinha certeza que jamais voltaria a 1. viver; 2. escrever; 3. beijar de novo; 4. como consequência do no. 1, fazer outro aniversário.
Era fim de tarde e quando anoiteceu o destino quis que eu voltasse a fazer tudo isso. Faltava exato 1 mês para meu aniversário. Eu tinha 59 anos e decidi que se vivesse, a cada ano no meu aniversário escreveria um poema e se chamaria Noturno.


A fria imagem de mármore cinzelado, imitando pássaro
Que pulsa na paisagem qual o conluio entre dois reinos
Amanhece em meio à chuva neste tempo de lembrança
Ao qual o poeta reconhece, mas nem sempre o realizou

Ser fulgurante outrora nascido sob o manto dos astros
Sua cintilação conduz-se no negro voo no seio da noite
A nostalgia realça seu brilho e vem para inaugurar a luz
Perpassa o ouro em suas palavras, qual o fogo da ilusão

O pensamento que jazia adormecido, ressuscita seu ser
O lobo que sempre alimentou e com quem viveu em paz
Na visão interior de modo ambíguo em fumos de alegria
Imagem de um sonho que se esquiva de toda a ausência

Guarda um jeito perturbado, tanto áspero pela angústia
Ora a face mais serena, calada, ora o gárrulo, o espanto
De suas prédicas negras nos amargos versos cicatriciais
A sombra que invade o carvão do silêncio d’outros dias

Em meu voo solitário observo meus inimigos à distância
Os quais atraio com o suor de falas acesas e inflamadas
Aqui descortino meu ser, pelo avesso, meu avaro andar
A brandura que não ostento, como a todo corpo de pó

O tempo marca mais um momento de um zodíaco triste
Além dos campos áureos de trigais e lilases de alfazema
Em que o vento balouça novas hastes florais nesta vida
Em memórias onde também se agita alva roupa no varal

O abandono do pássaro pulverizado repetido outra vez
Nesta hora de um silêncio já cansado de tanta infância




"Somos apenas duas almas perdidas/Nadando n'um aquário ano após ano/Correndo sobre o mesmo velho chão/E o que nós encontramos? Só os mesmos velhos medos" (Gilmour/Waters)


 
Autor
Sergius Dizioli
 
Texto
Data
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 18/05/2023 04:23  Atualizado: 18/05/2023 04:44
 Re: Noturno 6.8
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Ir ao outro lado
com ausência de minutos
voltando
"Foi a recusa de lá ficar"
Como a excelência de quem o tratou.

Cumprimentos


Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 18/05/2023 05:13  Atualizado: 18/05/2023 05:13
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3598
 Re: Noturno 6.8 p/ Sergius.Mr
olá Sergius

Parabéns! por teres renascido

Parabéns! por este escrito

Parabéns! pelo teu aniversário

dá 3= direito a um beijo

atenciosamente
HC


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 18/05/2023 06:12  Atualizado: 18/05/2023 06:14
 Re: Noturno 6.8
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Pois...
Parabéns.
Fazendo anos
"comemoram-se duas datas"
Um que se ganha e um que se perde.

No seu caso
recuperou todos os vividos à do
Imprevisto quase fatídico


Enviado por Tópico
MarySSantos
Publicado: 18/05/2023 15:09  Atualizado: 18/05/2023 15:09
Usuário desde: 06/06/2012
Localidade: Macapá/Amapá - Brasil
Mensagens: 5735
 Re: Noturno 6.8
que bom que despertou do aconchego daquele noturno para se envolver novamente com o sol.

bj


Enviado por Tópico
GabrielaMaria
Publicado: 18/05/2023 16:18  Atualizado: 18/05/2023 16:18
Membro de honra
Usuário desde: 04/09/2022
Localidade:
Mensagens: 1056
 Re: Noturno 6.8
.

Que bom e que venha sempre mais e que tenhamos o toque delicado e macio das pétalas de uma rosa, a alegria de um cãozinho e o espreguiçar de um gato e sempre o toque de uma outra pele, abraços e palmas pra ti.
Feliz por estarmos aqui.


Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 18/05/2023 17:55  Atualizado: 18/05/2023 17:55
Usuário desde: 28/07/2009
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Mensagens: 10497
 Re: Noturno 6.8
O destino prega-nos cada partida, viver é mesmo uma luta gigantesca, mas o amigo não se entregou e voltou, surpreendendo-nos com Poemas de formosa grandeza, este é um poema duma vida.
Parabéns pelo aniversário, doravante desejo muita saúde.

um abraço