Olhar Cego nº 33

Data 30/09/2024 17:31:29 | Tópico: Poemas

[Este texto não pertence à Administração. Trata-se de uma colaboração de um Luso-Poeta, que participou de forma anónima no jogo "Olhar Cego". No final, revelaremos a sua identidade. Convidamos os utilizadores a pontuar e a comentar o texto à vontade, como fazem com qualquer outro.]

À despedida

O indivíduo acocorou-se
Num caixote de pétalas secas.

Encolheu-se, apertou-se
E encalhou no cheiro alvo
Que se agarrava às costas marrecas
De um querido pai velhote e calvo.

Ainda tentava pentear-se com os dedos,
Já pendões e maduros a cair da pele
Cheia de padrões irregulares,
Rugas cavadas em relevo
Como se de beijos curvados e sem mel,
Como se de palavras raspadas entre molares...
Fossem esculpidas.

O indivíduo acocorou-se
Numa forma que lhe parava a respiração.

Voluntário, encolheu-se,
Enfiou-se em concha que lhe segurava a mão
Em amparo de quase mãe...
Em amparo de quase mãe.

A mãe já foi
E o pai também dói...

O indivíduo acocorou-se,
Escarafunchou a alma e agarrou-se,
Num jeito de quem se agarra ao que pode,
Num jeito que ninguém quer ou acode...

O indivíduo acocorado,
Aninhado a um canto mal iluminado,
Encostou-se às rugas velhas e novas
Que lhe cobriam as saliências e covas
E deixou-se cair.



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