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Olhar Cego nº 33

 
[Este texto não pertence à Administração. Trata-se de uma colaboração de um Luso-Poeta, que participou de forma anónima no jogo "Olhar Cego". No final, revelaremos a sua identidade. Convidamos os utilizadores a pontuar e a comentar o texto à vontade, como fazem com qualquer outro.]

À despedida

O indivíduo acocorou-se
Num caixote de pétalas secas.

Encolheu-se, apertou-se
E encalhou no cheiro alvo
Que se agarrava às costas marrecas
De um querido pai velhote e calvo.

Ainda tentava pentear-se com os dedos,
Já pendões e maduros a cair da pele
Cheia de padrões irregulares,
Rugas cavadas em relevo
Como se de beijos curvados e sem mel,
Como se de palavras raspadas entre molares...
Fossem esculpidas.

O indivíduo acocorou-se
Numa forma que lhe parava a respiração.

Voluntário, encolheu-se,
Enfiou-se em concha que lhe segurava a mão
Em amparo de quase mãe...
Em amparo de quase mãe.

A mãe já foi
E o pai também dói...

O indivíduo acocorou-se,
Escarafunchou a alma e agarrou-se,
Num jeito de quem se agarra ao que pode,
Num jeito que ninguém quer ou acode...

O indivíduo acocorado,
Aninhado a um canto mal iluminado,
Encostou-se às rugas velhas e novas
Que lhe cobriam as saliências e covas
E deixou-se cair.

 
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Luso-Poemas
 
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Enviado por Tópico
MariaMorena
Publicado: 30/09/2024 18:53  Atualizado: 30/09/2024 18:53
Da casa!
Usuário desde: 07/06/2024
Localidade: Argumentar sem agredir é ser grande.
Mensagens: 392
 Re: Olhar Cego nº 33
.


…À despedida…(pode ser uma oportunidade e uma doçura amarga, o amor sem explicação e suas múltiplas faces, se o coração fosse um termômetro, não importa o que fez a temperatura aumentar, é amor)

…O indivíduo acocorou-se…( uma palavra muito singular, embora alguém possa usar o genérico, mas assim é muito mais carinhoso)

…De um querido pai velhote e calvo….( É o primeiro poema que escreve sobre o amor na aparência, ou foi uma maneira de contar uma história como uma cena de um filme)

“…Como se de palavras raspadas entre molares...
Fossem esculpidas….”( Seria ele também um poeta ou cheio de sabedoria nas palavras)

“…A mãe já foi
E o pai também dói……”( uma dor que só resta abraçar, são caminhos da natureza)

“…Num jeito que ninguém quer ou acode……”( aqui os sentimentos nos deixa nu e rasga por dentro)

“…E deixou-se cair….” ( Aqui me resta as palavras marrecas, aves)

Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 30/09/2024 20:15  Atualizado: 30/09/2024 20:15
Membro de honra
Usuário desde: 24/12/2006
Localidade: Montemor-o-Novo
Mensagens: 3331
 Re: Olhar Cego nº 33
O exagero do uso do verbo acocorar dá uma sensação de naufrágio em mar calmo, porque o poema é bom. À laia de brincadeira diria que dá uma valente dor de costas.
Gostei da evolução das rugas.

Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 02/10/2024 13:55  Atualizado: 02/10/2024 13:55
Administrador
Usuário desde: 02/10/2021
Localidade:
Mensagens: 575
 Re: Olhar Cego nº 33
.
Um retrato pungente de despedida, com elementos simbólicos interessantes como as "pétalas secas" (o efeito da passagem do tempo sobre a beleza), os "dedos pendões" (como estandartes de uma época que passou), ou as "palavras raspadas entre molares" (as rugas transformadas em mensagem crua sobre a inexorabilidade da velhice).

Enviado por Tópico
Aline Lima
Publicado: 05/10/2024 21:16  Atualizado: 05/10/2024 21:16
Usuário desde: 02/04/2012
Localidade: Brasília- Brasil
Mensagens: 709
 Re: Olhar Cego nº 33
Esses versos trazem uma despedida tão bem sentida. As rugas, velhas e novas, me fizeram pensar em cicatrizes não só na carne, mas nas que carregamos como marcas que ficam além da pele.