Na vertigem do tempo interior, nos perdemos sem saber o porquê Os sentidos desgarrados não concedem luz, não nos encontramos Nos notamos incompletos, sem a consciência veloz do pensamento E vamos embora pelo mundo, nos aproximando de múltiplas coisas Mas nada é o real e, de completo, o que resta é apenas o silêncio Por vezes, parece que o real é um copo de conhaque e um blues E que miragens não são mais que um estágio elementar da verdade Restamos cada vez mais sós, ao abandonar o nosso voo de pássaro Saímos pela porta dos fundos a sorrir, sem que ninguém entenda O que há de transfigurado nisso tudo, se talvez murmurássemos Se os fizéssemos pensar que somos justamente como o esperado Então se satisfariam se nos mostrássemos ser o grande usurpado É do que o passar do tempo nos livra: da obrigação de ser normal De corresponder à conduta rude de um tipo normalizado de viver Integrar a ficto-estabelecida verdade é animar e povoar a solidão Onde as sensações devam ser as pertinentes à consciência geral Olho os gerânios no jardim, já derramei muitas lágrimas ao chão Já sofri muitas feridas profundas, porém isso reside no passado Aprendi que a plenitude está no eterno fluir de princípios e fins Ouso proteger-me num círculo invisível na minha imortal rebeldia Onde ninguém me imponha aquilo o que devo entender por beleza Mas que tudo seja o amálgama de noções que faz do carvão, luz Onde sei que, não sendo imortal, posso viver segundo a segundo Desdobrar cada coisa no melhor que dela eu possa vir a conceber Nem julgue que este poeta escreva um poema sem falar do amor Se de tudo que há na vida é o amor o mais complexo sentimento O amor não é a chegada, é o caminho e assim terá começo e fim Como as rosas que nascem, nos encantam e perfumam e se vão Mas nem por isso deixamos de querer rever sua peculiar beleza Nem a roseira deixará de ser roseira caso não se cubra de flores Ah, dirão, o amor é dor. Que o seja, sem amor e dor é só o vazio O amor é luz radiante, é o sonho, o fogo lento que nos consome Não se olvide o sonho, razão além da razão, de haver o amanhã O sonho é o fogo que acolhe nossos insucessos e os transmuta Que se subleva aos furacões e deles faz a brisa que sopra lenta O sonho é seiva a animar a planta, antes do primeiro raio de sol De sonho, inconformismo, amor e rebeldia se vão setenta anos Os quais não nego, mas não os carrego como um pesado fardo Ainda guardo no peito pequenas ilusões, como frutos maduros Ergo o cálice, onde não cabem lamentos, apenas rubros taninos A cada ano um novo noturno e domingo terei o prazer de sacramentar mais este.
|