
Flores Tardias
Data 19/06/2025 04:32:30 | Tópico: Poemas
| No começo, ninguém vê. Nem o sorriso forçado, nem a lágrima contida. Ando pelos dias como quem carrega um segredo que tem gosto de despedida.
Disfarço a dor com café frio e um bom-dia que não me convence. Enquanto o espelho sussurra baixinho: “Você ainda está aqui, mas por pouco.”
Amar foi fácil — ser notado, não. Sempre fui a pausa no meio do riso, o plano B do destino de alguém, o detalhe bonito que não era preciso.
Vi ela passar com a luz nos olhos que faz até a fé dos céticos tremer. Mas pra mim, sempre restou o quase, o toque que não veio, o beijo que faltou acontecer.
Ela dizia que me achava profundo, mas não mergulhava nem no raso. Ficava na borda, com medo do abismo que é amar alguém por inteiro e sem prazo.
Fui jardim não visitado, poema lido pela metade. Fui flor que murcha esperando ser regada com sinceridade.
Agora, o tempo me cobra. A vida me deu um diagnóstico sem poesia. E só agora lembram meu nome, só agora notam minha melodia.
Ela veio com flores nas mãos e os olhos molhados de arrependimento. Disse que nunca foi por mal, só não soube lidar com meu sentimento.
Tarde demais, amor. Eu já tô partindo, aos poucos, em silêncio. E pela primeira vez, todo mundo olha pra mim como se eu fosse algo imenso.
Gritam que vão sentir falta, que eu era "único", "intenso", "verdadeiro"... Mas onde estavam quando eu gritava por dentro, com a alma chorando o tempo inteiro?
Me encheram de flores, mas nenhuma delas me viu florescer. A beleza que tanto exaltam hoje foi a mesma que ninguém quis colher.
Agora sou notícia em redes sociais, legenda de luto e comoção. Mas antes disso, fui só silêncio, fui só amor sem condição.
E se um dia lembrar de mim pesar no peito, lembra que eu tentei, do meu jeito, sinais. Que tudo que eu quis foi ser visto em vida, não ser amado só nos funerais. Minha saúde está pouca, e o corpo já não esconde o que o coração sempre gritou em silêncio.
Eu não vou mais fingir que está tudo bem.
Mas enquanto ainda posso, vou escrever minhas últimas poesias com a alma escancarada — como quem deixa cartas num mundo onde ninguém ouve, mas todos sentem tarde demais.
E antes que a última pétala caia, vou terminar meu livro: “O Impostor.”
Que essa dor vire arte. Que essa arte não se perca.
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