
XEPA POÉTICA [versão prévia]
Data 10/07/2025 22:55:08 | Tópico: Poemas
| I. ABERTURA DA FEIRA
A manhã desperta, e o dia se eleva, Caixotes de versos, pilhas de sonhos, O poeta prepara seus tesouros, Há frutas, mas poesia, quem leva?
Olha a xepa! Dez reais, cem poemas! Agito da feira, o grito ressoa, O poeta sorri, e sua voz voa, Qual há fruta madura, há vários temas.
— Dez centavos por poema, é nada! — Leva poesia, se rende, aprende, — Perde oferta, mas o verso se prende — Mais leve que a fruta podre, amassada.
— Leva tudo, moça! Pechincha boa! O tempo que gasta lendo essa linha Vale menos que pena de galinha. Poema é céu, e a gente olha à toa.
Segue a feira, com os livros no chão: — Dez de graça! Cadê a freguesia? Passa criança, uma senhora chia: — Cem por dez! Quero não! Pura ilusão!
II. PRIMEIRAS NEGOCIAÇÕES
E quinhentos por dez, que maravilha! Como se um poema fosse fumaça, Dois centavos cada, quase de graça, Poema nada vale, ainda assim brilha.
Lucro, prejuízo, dança a cobrança, Cada centavo a palavra, magia Que fere, que ama, que vive, que cria Arte cara para pouca lambança.
Mas um comprador levanta questão: — Qual o sabor do poema? E o valor? — Pimenta! Só provando sabe o ardor, — Se comer demais, dá indigestão.
Quinhentos por dez, menor cotação, O verso se esvai num ciclo perverso, A vida na lona, afronta no verso Resume a conta na mesma equação.
Balança de feira, sempre surpresa, Pesa melancia, uvas e limão Mas a poesia sem precisão, Leve demais, ainda falta certeza.
III. QUESTIONAMENTOS E FILOSOFIA
Pesando o tempo na frágil balança, Pesando o livro numa hora tão crua, Segundos vazios caindo na rua, Lógica confusa, dorme e descansa.
— Compre agora! Leva três e paga um! Soneto fresco, quadra de primeira, Versos que rimam com a tarde inteira, Com sal, com mel ou com cheiro de atum.
Dez centavos, essa conta redonda, Divide o sonho, aumentando uma dor, Multiplica o riso, se esvai o valor Equação sem noção "tirando uma onda".
— Ei, venha cá! Aproveita essa chance! Sopa de letras o molho garante, Mas é cem por dez, um roubo flagrante! Quer mais barato? Que faça seu lance.
A ilusão sorri, moedas de troco, O olhar cintila, palavra que espanta, Se compra ou deixa, se pensa na janta, Fica o abismo — se deixar, fica louco.
IV. REAÇÕES DOS COMERCIANTES
Feirante ao lado ri dessa cena: — Poesia não enche barriga, não! Melhor batata, banana e melão, Fome de verso é coisa pequena.
O poeta insiste, alegre, e revida: — Verso é dieta da alma faminta, Rima tem cor, tem alma e boa tinta, É puro tempero da nossa vida.
Banca vizinha uma tia comenta: — O moço é louco, vende ilusão! Poesia não paga nem o pão, Nem a luz, aluguel, não se sustenta.
O fruteiro grita, compete espaço: — Manga espada! Abacaxi tá maduro! Aqui sabor doce, compre seguro, Sem conversa fiada do palhaço!
Mas entre os gritos, o verso persiste, Teimoso igual erva, brota no asfalto, Pequeno, mas firme, sem dar um salto, Poesia rebelde, ainda desiste.
V. INTERAÇÕES COM O PÚBLICO
Há compradores que param na prosa, De um riso que rima nasce uma cena, Planta alegria, semente pequena, E ganha um verso que versa uma rosa.
— Quinhentos poemas! Agora sim! Dois centavos cada, negociata! Mais em conta que cebola barata, Desconto bonito! Tá baratim!
Fechando a oferta, redobra o sinal, Confunde a feira no verso barato, São dois pés de alface, um livro no prato Não sabe se lucra ou perde afinal.
A moça se aproxima, duvidosa: — Vale ler assim, tanta poesia? O poeta responde: — Só um dia, Só lendo sabe se é valiosa.
— Mas me diga: será que comprei bem? — Oh, amiga, essa conta é complicada, A vida é cara, mas a arte, dada, — Se é sem valor, sem preço convém.
VI. FINAL DA FEIRA E REFLEXÕES
O sol se despede, a feira se encerra, Restam três livros na última caixa, O poeta sorri, os três logo abaixa — Felicidade é lucro na terra.
— Leva de graça! — grita para o vento, Com versos soltos, já meio cansados, Igual frutas doces, mas machucadas, Que guardam para sempre o seu momento.
No céu a lua desponta, clara e linda, Feira vazia, o descanso merece, O poeta partiu, a tarde fenece, Segue a poesia, livre, ainda brinda.
Com alguns reais, os versos vendidos, Mas não pelo dinheiro, ou pelo ócio — Será este um bom, será mau negócio: Plantar sonhos em corações perdidos?
E tu, leitor, que acompanha esta cena, Será que foi lucro, foi prejuízo? Vale mesmo ou faz perder o juízo? Ou é apenas miragem pequena?
Resposta dança lá no fim da tarde, Entre o cheiro da manga e som da rima, Vida é feira, mas arte é prima Que não se vende, mas só se reparte.
Fim da xepa! Acabou, e nem era doce! Entre livro vendido e outro perdido Nem resta mais o eco do que foi dito, Pergunta: Quem lucrou? Qual ganho fosse?
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