I. ABERTURA DA FEIRA
A manhã desperta, e o dia se eleva,
Caixotes de versos, pilhas de sonhos,
O poeta prepara seus tesouros,
Há frutas, mas poesia, quem leva?
Olha a xepa! Dez reais, cem poemas!
Agito da feira, o grito ressoa,
O poeta sorri, e sua voz voa,
Qual há fruta madura, há vários temas.
— Dez centavos por poema, é nada!
— Leva poesia, se rende, aprende,
— Perde oferta, mas o verso se prende
— Mais leve que a fruta podre, amassada.
— Leva tudo, moça! Pechincha boa!
O tempo que gasta lendo essa linha
Vale menos que pena de galinha.
Poema é céu, e a gente olha à toa.
Segue a feira, com os livros no chão:
— Dez de graça! Cadê a freguesia?
Passa criança, uma senhora chia:
— Cem por dez! Quero não! Pura ilusão!
II. PRIMEIRAS NEGOCIAÇÕES
E quinhentos por dez, que maravilha!
Como se um poema fosse fumaça,
Dois centavos cada, quase de graça,
Poema nada vale, ainda assim brilha.
Lucro, prejuízo, dança a cobrança,
Cada centavo a palavra, magia
Que fere, que ama, que vive, que cria
Arte cara para pouca lambança.
Mas um comprador levanta questão:
— Qual o sabor do poema? E o valor?
— Pimenta! Só provando sabe o ardor,
— Se comer demais, dá indigestão.
Quinhentos por dez, menor cotação,
O verso se esvai num ciclo perverso,
A vida na lona, afronta no verso
Resume a conta na mesma equação.
Balança de feira, sempre surpresa,
Pesa melancia, uvas e limão
Mas a poesia sem precisão,
Leve demais, ainda falta certeza.
III. QUESTIONAMENTOS E FILOSOFIA
Pesando o tempo na frágil balança,
Pesando o livro numa hora tão crua,
Segundos vazios caindo na rua,
Lógica confusa, dorme e descansa.
— Compre agora! Leva três e paga um!
Soneto fresco, quadra de primeira,
Versos que rimam com a tarde inteira,
Com sal, com mel ou com cheiro de atum.
Dez centavos, essa conta redonda,
Divide o sonho, aumentando uma dor,
Multiplica o riso, se esvai o valor
Equação sem noção "tirando uma onda".
— Ei, venha cá! Aproveita essa chance!
Sopa de letras o molho garante,
Mas é cem por dez, um roubo flagrante!
Quer mais barato? Que faça seu lance.
A ilusão sorri, moedas de troco,
O olhar cintila, palavra que espanta,
Se compra ou deixa, se pensa na janta,
Fica o abismo — se deixar, fica louco.
IV. REAÇÕES DOS COMERCIANTES
Feirante ao lado ri dessa cena:
— Poesia não enche barriga, não!
Melhor batata, banana e melão,
Fome de verso é coisa pequena.
O poeta insiste, alegre, e revida:
— Verso é dieta da alma faminta,
Rima tem cor, tem alma e boa tinta,
É puro tempero da nossa vida.
Banca vizinha uma tia comenta:
— O moço é louco, vende ilusão!
Poesia não paga nem o pão,
Nem a luz, aluguel, não se sustenta.
O fruteiro grita, compete espaço:
— Manga espada! Abacaxi tá maduro!
Aqui sabor doce, compre seguro,
Sem conversa fiada do palhaço!
Mas entre os gritos, o verso persiste,
Teimoso igual erva, brota no asfalto,
Pequeno, mas firme, sem dar um salto,
Poesia rebelde, ainda desiste.
V. INTERAÇÕES COM O PÚBLICO
Há compradores que param na prosa,
De um riso que rima nasce uma cena,
Planta alegria, semente pequena,
E ganha um verso que versa uma rosa.
— Quinhentos poemas! Agora sim!
Dois centavos cada, negociata!
Mais em conta que cebola barata,
Desconto bonito! Tá baratim!
Fechando a oferta, redobra o sinal,
Confunde a feira no verso barato,
São dois pés de alface, um livro no prato
Não sabe se lucra ou perde afinal.
A moça se aproxima, duvidosa:
— Vale ler assim, tanta poesia?
O poeta responde: — Só um dia,
Só lendo sabe se é valiosa.
— Mas me diga: será que comprei bem?
— Oh, amiga, essa conta é complicada,
A vida é cara, mas a arte, dada,
— Se é sem valor, sem preço convém.
VI. FINAL DA FEIRA E REFLEXÕES
O sol se despede, a feira se encerra,
Restam três livros na última caixa,
O poeta sorri, os três logo abaixa
— Felicidade é lucro na terra.
— Leva de graça! — grita para o vento,
Com versos soltos, já meio cansados,
Igual frutas doces, mas machucadas,
Que guardam para sempre o seu momento.
No céu a lua desponta, clara e linda,
Feira vazia, o descanso merece,
O poeta partiu, a tarde fenece,
Segue a poesia, livre, ainda brinda.
Com alguns reais, os versos vendidos,
Mas não pelo dinheiro, ou pelo ócio
— Será este um bom, será mau negócio:
Plantar sonhos em corações perdidos?
E tu, leitor, que acompanha esta cena,
Será que foi lucro, foi prejuízo?
Vale mesmo ou faz perder o juízo?
Ou é apenas miragem pequena?
Resposta dança lá no fim da tarde,
Entre o cheiro da manga e som da rima,
Vida é feira, mas arte é prima
Que não se vende, mas só se reparte.
Fim da xepa! Acabou, e nem era doce!
Entre livro vendido e outro perdido
Nem resta mais o eco do que foi dito,
Pergunta: Quem lucrou? Qual ganho fosse?
Souza Cruz