Sementes no Abismo - Por Chris Katz

Data 16/08/2025 13:52:42 | Tópico: Poemas

Sementes no Abismo - Por Chris Katz

O rio não corre
arrasta cadáveres de estrelas.

A ponte range
não sustenta pés,
sustenta presságios.

A profecia queima
na língua dos ventos,

e cada palavra
é um trovão
que se quebra
na carne do tempo.

O pranto corpóreo
é enxurrada de ferro,
escorre em rios vermelhos.

Cobre a cidade inteira encoberta,
um corpo feminino desfolhado,

seios como colinas soterradas,
ventre como cova
onde germinam apenas sombras.

As plantações ardem.

Cada raiz grita.

O dorso nu da terra
se arqueia em agonia,
exposto à lâmina dos céus.

Tudo espera
mas a espera é fome.

Tudo cala
mas o silêncio é lâmina.

E então, da orla impossível,
a linha que separa céu e abismo
rasga-se como ventre em parto.

O horizonte sangra.

E dos escombros da espera,
surgem imensos infinitos,
negros, impenetráveis,
devorando o que resta de humano.

Do rio estagnado nasce um rumor,
como se a água cansada lembrasse do correr.

Entre ruínas da ponte,
um musgo pequeno
se atreve a crescer.

A profecia, tão cruel em sua sentença,
tem uma palavra maldita
que se transforma:

onde estava “ausência”,
um sopro escreve “espera”.

A cidade encoberta respira
embaixo da lama,

seus pulmões de pedra rangem.

Mas ainda há telhados
onde o vento pousa,

ainda há janelas
que sonham com claridade.

No dorso nu do campo devastado,
brotam sementes, tímidas, trêmulas,

mas capazes de abrir fendas
na terra dura,
de insistir contra o silêncio.

E os imensos infinitos,
antes só dor, só vazio,

agora se revelam também como espaço:

lugar onde o pranto é sal
e o sal, memória do mar.

E assim, o corpo que chorava
não deixa de sangrar,

mas aprende
em meio ao dilúvio
que cada lágrima
é também água,
e toda água
pode recomeçar.


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