Sementes no Abismo - Por Chris Katz
O rio não corre
arrasta cadáveres de estrelas.
A ponte range
não sustenta pés,
sustenta presságios.
A profecia queima
na língua dos ventos,
e cada palavra
é um trovão
que se quebra
na carne do tempo.
O pranto corpóreo
é enxurrada de ferro,
escorre em rios vermelhos.
Cobre a cidade inteira encoberta,
um corpo feminino desfolhado,
seios como colinas soterradas,
ventre como cova
onde germinam apenas sombras.
As plantações ardem.
Cada raiz grita.
O dorso nu da terra
se arqueia em agonia,
exposto à lâmina dos céus.
Tudo espera
mas a espera é fome.
Tudo cala
mas o silêncio é lâmina.
E então, da orla impossível,
a linha que separa céu e abismo
rasga-se como ventre em parto.
O horizonte sangra.
E dos escombros da espera,
surgem imensos infinitos,
negros, impenetráveis,
devorando o que resta de humano.
Do rio estagnado nasce um rumor,
como se a água cansada lembrasse do correr.
Entre ruínas da ponte,
um musgo pequeno
se atreve a crescer.
A profecia, tão cruel em sua sentença,
tem uma palavra maldita
que se transforma:
onde estava “ausência”,
um sopro escreve “espera”.
A cidade encoberta respira
embaixo da lama,
seus pulmões de pedra rangem.
Mas ainda há telhados
onde o vento pousa,
ainda há janelas
que sonham com claridade.
No dorso nu do campo devastado,
brotam sementes, tímidas, trêmulas,
mas capazes de abrir fendas
na terra dura,
de insistir contra o silêncio.
E os imensos infinitos,
antes só dor, só vazio,
agora se revelam também como espaço:
lugar onde o pranto é sal
e o sal, memória do mar.
E assim, o corpo que chorava
não deixa de sangrar,
mas aprende
em meio ao dilúvio
que cada lágrima
é também água,
e toda água
pode recomeçar.
Sou Mundos!
Chris