
A vida que nunca tive e por isso comprei o gato
Data 21/08/2025 18:04:14 | Tópico: Poemas
| O meu nome é Rita. Vivo num pequeno apartamento com vista para lugar algum, numa cidade que raramente aparece no discurso de quem não a habita.
Tenho um gato que prefere vaguear pela noite a fazer-me companhia nas horas que lhe ficaram, implicitamente, contratadas.
Ainda me debato com questões filosóficas demasiado comuns. Entretenho-me, sobretudo, com os gregos antigos. Prefiro-os: Parménides, a quem acho muita piada; Diógenes, que é profundamente tonto; e Xenófanes, que dormita, imagine-se, na mesinha de cabeceira de madeira de nogueira.
Gosto de beber coca-cola zero aos domingos de manhã; talvez um pequeno interlúdio da vida que nunca tive.
Dantes gostava de croissants, mas perdi-lhe o gosto porque me aborreci do nome.
Sinto-me particularmente grata (ah!, esta coisa horrível que é a gratidão!) pela vida que nunca tive: sucesso, uma petite promenade à beira-mar, um gabinete com vista para as traseiras e uma chart de queijo com as vendas da semana; os amigos Zé e Chico, a Alicinha e a menina Paula.
No fundo, foi por isso que comprei o gato.
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