O meu nome é Rita.
Vivo num pequeno apartamento
com vista para lugar algum,
numa cidade que raramente aparece
no discurso de quem não a habita.
Tenho um gato
que prefere vaguear pela noite
a fazer-me companhia
nas horas que lhe ficaram, implicitamente,
contratadas.
Ainda me debato
com questões filosóficas
demasiado comuns.
Entretenho-me, sobretudo,
com os gregos antigos. Prefiro-os:
Parménides, a quem acho muita piada;
Diógenes, que é profundamente tonto;
e Xenófanes, que dormita,
imagine-se,
na mesinha de cabeceira
de madeira de nogueira.
Gosto de beber coca-cola zero
aos domingos de manhã; talvez
um pequeno interlúdio
da vida que nunca tive.
Dantes gostava de croissants,
mas perdi-lhe o gosto
porque me aborreci do nome.
Sinto-me particularmente grata
(ah!, esta coisa horrível
que é a gratidão!)
pela vida que nunca tive:
sucesso,
uma petite promenade à beira-mar,
um gabinete com vista
para as traseiras
e uma chart de queijo
com as vendas da semana;
os amigos Zé e Chico,
a Alicinha
e a menina Paula.
No fundo,
foi por isso que comprei o gato.