
Moledo
Data 23/08/2025 10:20:15 | Tópico: Poemas
| Os nossos antepassados saíram da água há milhões de anos, expliquei à Natália,
enquanto dormitava na espreguiçadeira da piscina, contemplando ao longe o mar de Moledo.
Numa mão equilibrava um copo de vinho branco morno, na outra um gesto de certezas excessivas.
A Natália casara com um milionário dos têxteis, homem sempre presente nos jantares dos amigos, mas ausente na fotografia da sala.
Convidava-me, muitas vezes, para olhar o mar de Moledo, como se a distância da água fosse também a distância da vida que não tivemos.
Falávamos das fantasias, das ideias interrompidas, das histórias não vividas.
E havia um conforto silencioso em saber que nada daquilo nos tinha acontecido. Teria sido demasiado trabalhoso.
E ver ao longe o mar de Moledo parecia suficiente, uma boa forma de olhar para o fracasso que tínhamos sido.
A carreira que não tive, os filhos que não criei, a família que ficou para trás.
No fundo, todos abandonaram todos.
Pensei, Natália, olhando ao fundo o mar em Moledo, que talvez fosse melhor se os nossos antepassados nunca o tivessem deixado.
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