Os nossos antepassados
saíram da água
há milhões de anos,
expliquei à Natália,
enquanto dormitava
na espreguiçadeira da piscina,
contemplando ao longe
o mar de Moledo.
Numa mão equilibrava
um copo de vinho branco morno,
na outra um gesto
de certezas excessivas.
A Natália casara
com um milionário dos têxteis,
homem sempre presente nos jantares dos amigos,
mas ausente
na fotografia da sala.
Convidava-me, muitas vezes,
para olhar o mar de Moledo,
como se a distância da água
fosse também a distância
da vida que não tivemos.
Falávamos das fantasias,
das ideias interrompidas,
das histórias não vividas.
E havia um conforto silencioso
em saber que nada daquilo
nos tinha acontecido.
Teria sido demasiado trabalhoso.
E ver ao longe o mar de Moledo
parecia suficiente,
uma boa forma de olhar
para o fracasso que tínhamos sido.
A carreira que não tive,
os filhos que não criei,
a família que ficou para trás.
No fundo,
todos abandonaram todos.
Pensei, Natália,
olhando ao fundo o mar em Moledo,
que talvez fosse melhor
se os nossos antepassados
nunca o tivessem deixado.