
Lenny Fucking Kravitz
Data 29/09/2025 18:27:24 | Tópico: Poemas
| Vilar Formoso. 16 de setembro, 10h30.
Peço um café. Sabe a despedida, sabe a pouco, sabe a nada. Lá fora os camiões respiram fumo.
No canto do balcão, uma mulher cujo nome termina em X lê um poema chamado Bonnie Tyler e sorri do princípio ao fim.
Retira um guardanapinho do suporte; escreve: “originalidade inigualável.”
Um enfermo arrasta-se e fala alto, jura que muitas cantoras contemporâneas estão enterradas ali, na loja de conveniência.
Enumera-as vagarosamente, com a língua pesada da medicação:
Taylor Swift. Lola Young.
A jovem que o ampara inclina-se sobre ele; sussurra: “Vamos, senhor A.”
Ainda presa ao pesadelo recorrente do próprio afogamento na praia da Nazaré, a funcionária distrai-se cantando:
It ain’t over till it’s over. It ain’t over till it’s over.
Com mãos magrinhas, alinha isqueiros, empilha maços de tabaco e conta trinta e quatro sonhos desfeitos.
E penso: fodeste-me o verão, Rita. Obsessivamente, habitas-me a cabeça, os olhos, a língua, a pele.
Na loja ecoa a canção, que as colunas partidas devolvem em estalos:
It ain’t over till it’s over. It ain’t over till it’s over.
E sinto o rasgo no peito — como me fodeste o verão, Rita. Provavelmente muitas outras estações, talvez todas. Talvez me tenhas fodido a eternidade.
Por isso cruzo a fronteira, em direção a Sevilha, Marselha ou Nice. Tanto faz.
Hoc mihi restat.
Sempre que o desespero encontra o meu corpo, procuro outras latitudes, razões que me libertem da ideia do suicídio.
Mas o Lenny fucking Kravitz canta na rádio e alimenta a obsessão.
So many tears I’ve cried, so much pain inside, baby, it ain’t over ‘til it’s over.
E percebo: fodeste-me o verão, Rita. Isto nunca acaba.
It ain’t over till it’s over. It ain’t over till it’s over.
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